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cróNicas




           câNDiDo De AzeVeDo
           19600364


                         A escola, o português e eu. Um contributo






                asci  no  Estado  da  Índia  Portuguesa,  mais  propria-  ditos  de  Bolonha.  Hoje  professor  no  Ensino  Superior,
           Nmente em Damão. Como qualquer criança local a     já  com meia  dúzia de  livros  publicados, com  conferên-
           minha fala do dia a dia era o dialecto damanense. Aí fiz   cias  e  trabalhos  apresentados  pelos  5  continentes,  vejo
           a primeira e a segunda classe. Mudei-me depois para Goa   com desgosto o que se passa com a educação em Portu-
           onde fiz a 3ª e a 4ª classe. O meu português melhorou   gal e, confesso, não me sinto mal com as minhas reprova-
           mas a influência, agora, da língua local o concanim, pre-  ções.
           judicou. Rumei para Moçambique e com 9 anos entrei    Perguntará o leitor o porquê de todo este arrazoado.
           para o Liceu em Lourenço Marques. Era uma casa que    Sabendo eu o que se passa hoje no ensino em Portugal,
           impunha respeito e onde os professores se apresentavam   sou  dos  que  partilho  a  ideia  de  que  afinal  o  chumbo,
           nas aulas de cara séria, confiantes, altivos e orgulhosos da   quando justo, purifica. Sim, porque ao tempo, como alguém
           sua  profissão.  Recordo-me  ainda  uns  de  laço  outros  de   já  referiu,  o  governo  lidava  com  a  realidade  e  não  aos
           gravata: Pires dos Santos, Cansado Gonçalves, Rui Pina,   ziguezagues e em regime de cata-vento e no meu tempo
           Prata Dias, Elisa Gouveia, etc, uns Senhores! Aconselharam   reprovar não causava danos psicológicos a quem estudava.
           o meu pai a deixar-me ficar mais um ano no 1º ano pois   Ao tempo não se inventava as mais mirabolantes teorias
           o meu português era mau, era indo-português. Tinha que   e experiências pedagógicas para iludir as aparências ou as
           o melhorar! E assim fiquei e repeti. Um ano depois sigo   estatísticas  da  União  Europeia,  nem  havia  para  compa-
           para Lisboa. Espera-me o Instituto dos Pupilos do Exér-  nhamento  dos  estudantes  esse  enorme  rancho  de  pedo
           cito. Casa exigente em perfeição, rigor e sacrifício e da   – psiquiatras, pedagogos, sociólogos, psicólogos, etc.. Exis-
           qual ainda recordo com saudades. Aqui não havia a bran-  tia a escola de que me orgulho, o meu pai e o seu cinto
           dura dos nossos costumes, pois não nos víamos lavados   e o conceito de que “em pequenino é que se torce o pe-
           em colónia, com talco e fraldas mudadas até aos 17 anos,   pino”. Creio que essa foi a minha sorte para cada vez mais
           como vejo hoje por muitas escolas pelo país. Impunha-nos   me dedicar ao estudo a par de tudo o mais, o que acabei
           ordem, organização, disciplina. Ensinava-nos a desenvolver   por fazer com gosto a vida inteira... Hoje dou conta que
           competências que nos permitiriam no nosso caminho para   é o inverso: desde pequenino que é só facilidades e mais
           homem assumir atitudes criativas, inovadoras ou mesmo   facilidades  que  continuam  pelos  anos  fora,  resultando
           críticas, enquanto factores estruturantes para uma cida-  daqui  que  os  jovens  não  são  minimamente  preparados,
           dania responsável. E o meu português? Ainda era fraco.   percepcionam uma ideia errada da escola e da vida e como
           Reprovo sem apelo. E já lá vão dois anos de reprovação.   passam de ano sem os conhecimentos básicos, a partir de
           Bem, depois de sair do Pilão... porque era minha tendên-  certa altura já perdidos, apenas somam ondas de frustração.
           cia seguir Letras tive mesmo que me aplicar no português   E entre as incontáveis asneiras de quem tinha a obrigação
           até ao 7º ano, o último do liceu, e aqui já não foi a lite-  de bem gerir o sistema educativo, arrepio-me ao pensar
           ratura portuguesa a causa da última reprovação, mas sim   que tal facilitismo, ainda ontem, tinha como fito, também,
           a  língua  e  a  gramática...latina.  Sim  por  causa  do  latim   ganhar votos em eleições...
           (hoje cadeira optativa). E já são 3 os anos de reprovação,   Mais uma vez os fracos resultados dos últimos exames
           devidos à língua portuguesa e, digamos, sua origem latina.   vieram ao de cima. E damos conta que o desastre é ex-
           E porque lá em casa a partir dos 17 anos quem reprova-  tenso e profundo. Poucos serão os jovens que chegarão ao
           va ia trabalhar, marchou este rapaz para moço de recados   mercado  de  trabalho  com  a  preparação  adequada  para
           do Hospital Central, e concluído o Latim, logo de segui-  enfrentarem a dureza da vida e serem cidadãos de corpo
           da para a vida militar.                            inteiro. Pressinto, aqui de longe, que a educação vai mal
              Depois, bom, depois vieram dois Cursos Superiores,   em Portugal… Oxalá este novo Governo de tal dê conta.
           alguma  formação  extra  e  um  Doutoramento  tudo  em   Aqui, qual contributo meu, deixo a história das minhas
           estabelecimentos  rigorosos  e  exigentes,  longe  de  qual-   reprovações...
           quer Universidade Independente, sem qualquer benefício                                    Nov.º 2011
           das  Novas  Oportunidades  e  décadas  antes  dos  actuais,                           Yunan, (China)


                                                                                         Boletim da associação dos PuPilos do exército  25
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