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cróNicas
os outros, aqueles que até aqui regulavam a vida em fa- estatísticas, discursos, programas de salvação, troikas,
mília e sociedade, esses são cada vez mais desprezíveis, merkels, sarkozys e outros, governos maioritários, de sal-
porque atrapalham o rufar dos tambores da tomada do vação nacional, projecções a dez, a vinte, a trinta anos, de
poder sobre todos, pela ganância e insensibilidade de panoramas indescritíveis de reformados sem reformas, de
alguns… doentes sem serviços de saúde, de jovens sem educação,
atolado por toda esta infame devassa dos meus direitos, de idosos sem horizonte de velhice, de pessoas honestas a
pelo calado assalto à minha própria liberdade, permito-me terem de se tornar criminosos para sobreviver, de culpados
ainda uns momentos de reflexão e atenção às pessoas que que toda a gente conhece, a serem intocáveis porque sim,
me rodeiam, aos amigos que ainda me sobram desta guer- de compadrios que se multiplicam, de presidentes que não
ra de guerrilha indecente contra as minhas próprias opções presidem, de políticos que nem sabem o que isso é, de
e crenças e fico-me a recordar o amigo que há pouco fa- responsáveis partidários que não conseguem sobreviver e
leceu, a amiga que há dias tentou o suicídio, os amigos muito menos vencer sem mentir e não sentem a menor
que perderam o emprego e não encontram trabalho, mes- das culpas na consciência, de tribunais que não julgam, de
mo aqueles que não conheço, mas dos quais é-me impos- justiça que não a aplica, de… de… de… sinto que até o
sível qualquer alheamento, porque a miséria das suas vidas ar já me falta…
entra-me pelos olhos dentro, pelo corpo dentro, por todos parafraseando um prestigiado cantautor português, num
os sentidos que ainda não me conseguiram adormecer. grito de desespero, nos idos de 1979, aquando da primei-
resisto violentamente a ser anestesiado pela turba de arau- ra intervenção do FMI no nosso país em 1978/1979, só
tos dum progresso adiado, quiçá mesmo anulado, em nome me ocorre também gritar, “quero ser feliz porra, quero ser
de números, indicadores económicos, ratings, flutuações, feliz!...”
(continuação da página 28)
mim. É um homem franco, aberto e foi uma conversa Mais tarde, enquanto saboreava-mos a sopa de peixe,
inesquecível, devo confessar. Falámos a respeito de Álva- eu disse ao Carlos Antunes:
ro Cunhal, Carlos Marighella, explosivos de plástico, – Vocês são uns heróis.
detonadores, os atentados à base da NATO e ao quartel- Ele riu-se e respondeu:
-general em Bissau quando o general Spínola era gover- – Não exagere.
nador. Carlos Antunes explicava tudo com simplicidade, A sopa foi aplaudida por todos os convidados na pre-
“não, não é nada difícil, é mais simples do que parece, sença de Luisa.
então mandei chamar um militante, dei-lhe as instruções, Ao regressar a casa, cansado de tantas emoções, lem-
na casa de banho do quartel-general o artefacto podia ser brei-me do meu amigo Luís Amorim de Sousa que diz
posto no autoclismo, o acesso não era vigiado… mas hoje ser Portugal “um país singularíssimo” e pareceu-me ver no
com os telemóveis é tudo muito mais fácil”. “E a greve banco de trás do carro as sombras de Eça, Pessoa e, entre
da fome?”, “E os anos de prisão?”, “E os vossos filhos?”. eles meio escondido, Vargas Llosa.
“Os pastéis de bacalhau estão muito bons”, disse um Mas estamos no Inverno… levantei-me do sofá, mexi
convidado perto de nós enquanto se falava em novas nas brasas da lareira e voltei ao livro de Vargas Llosa que
formas de protesto, na Praça Tharir e do Loukanikos, o me recordou o último Verão.
cão anarquista das manifestações na Grécia.
O que é é bom
30 Boletim da associação dos PuPilos do exército