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CRÓNICAS
poRtUGUeses no oRiente
“Um povo banana …” oU “… Uma enXeRGa podRe,
onde se assiste a Um baCanaL de peRCeveJos”
Cândido de azevedo | 19600364
migos. A minha página PORTUGUESES NO ORIENTE vai terminar confusão”. E ninguém fez caso. Hoje nada mudou. Mas porque ainda
Apois dentro de semanas sigo definitivamente para Portugal. Assim, temos muitas coisas de que orgulhar, razão existe para não perdermos
esta será a sua última presença no nosso Boletim, pelo que aproveito a confiança em nós próprios e no destino do nosso país.
para respeitosamente me despedir daqueles que tiveram a paciência de Terminarei por dizer que assumo tudo quanto escrevi ao longo
ler os meus artigos, agradecendo a todos os que me manifestaram a destes meses sem medo dos rótulos depreciativos, que alguns (bem
sua opinião pelos textos que lhes proporcionei durante estes três anos poucos, diga-se) já me puseram, tais como de “reaccionário”, ser do
(certamente tal mais pela amizade do que pelo mérito). tempo da “outra senhora”, ser um “gajo da direita”, etc. Na verdade sou
Nestas páginas, sem qualquer tipo de saudosismo, procurei trazer dos que não alinho com a visão relativista de certos pregoeiros, muitos,
mensalmente “lembranças de terras e gentes, da nossa diáspora oriental”, “educados” desde “putos” nas escolas das partidarites, mais interessa-
muitos, recordados ainda hoje com respeito e admiração e até com dos em produzir permanentemente identidades insatisfeitas, precárias
afecto, entrosando quando necessário, quais analogias e em nome da e inconstantes, logo, não identidades.
cidadania e da minha liberdade, “cenas e actos” que se sucederam e Fui daqueles que, durante a minha formação, teve a possibilidade
sucedem em Portugal. Isto não foi pelo estranho hábito de dizer mal, de viver três momentos educativos diferentes, o familiar – quando in-
mas sim porque é enorme o estendal de imoralidade a que temos vindo fantil –, o militar – enquanto juvenil e orgulhosamente no nosso IPE
a assistir, nestes últimos anos, optando eu, já há muito, por não fechar – e o católico – quando júnior, pois fui aluno do Colégio dos Maristas
os olhos, endurecer a consciência e cruzar os braços. Denunciando, após sair do Pilão –, e foi neste contexto que se forjou e evoluiu a
procurei dessa forma contrariar D. Carlos quando afirmava sermos nós, minha identidade para sénior, enriquecida e configurada no primado do
“um povo banana governado por sacanas”. Eu, pelo menos, não o serei. Humano. Evolui de uma forma desafiadora, inquiridora e desassosse-
Porquê fiz tal? Porque assistimos hoje em Portugal a uma demo- gadora da consciência. Razão porque enquanto sénior, e hoje veterano,
cracia que morre aos poucos. De nada vale procurar demonstrar as frontalmente escrevo e denuncio.
razões da nossa convicção, pois perante tal, o que vale são as versões Para os interessados, direi que sou patriota e democrata. Defendo
ardilosamente falsificadas e impingidas por alguns charlatães, como o legado civilizacional, ético e moral do Humanismo, do Iluminismo,
alguém já escreveu. Outros figurões, impávidos e serenos, acumulam da República, da Democracia, de tudo quanto lhe confere conteúdo e
posições e fortuna num toque de mágica. Outros ainda conquistam li- forma humanamente dignificante. Serei da esquerda? Certamente se esta
cenciaturas sem praticamente porem os pés nas Universidades . Outro se define pela pureza da filosofia das doutrinas atrás referidas, doutrinas
(1)
ainda, esquece que já foi primeiro ministro tornando-se político comen- essas saudáveis, não procurando a “Cidade do Sol” como escreveu
tador para ajuste de contas, esquecendo que tal não prestigia a Insti- Tomasso Campanella (1568-1639), mas preocupando-se com a socie-
tuição Governo de Portugal, esquecendo que enquanto ex responsável dade actual não de uma forma egoísta e olhando para os bolsos, mas
de um país, que não é Borkina Faso, acarreta responsabilidades que se com os fragilizados como os pobres, os reformados, os trabalhadores
prolongam após o abandono das funções, etc. Enfim. Presenciamos desempregados, o ambiente, o país, sim sou da esquerda democrática.
diariamente tropelias e indecoro que aviltam, agridem e envergonham Mas se a esquerda ainda é defensora dos velhos mitos tais como o da
os portugueses. Enormes são o nepotismo e a corrupção, com tantos sociedade sem classes, da ditadura do proletariado, contra a religião,
escândalos silenciados, mordomias e regalias absurdas, ineficiências e contra a família e se arvora em bandeira de burgueses debochados ou
má gestão no seu melhor. Fiquemos por aqui. As evidências são mais juventude retardada, ou ainda procura trilhar os passos oportunistas de
que muitas. Mas não nos incomodamos. A mentira instalou-se, tornou- alguns actuais, mas já velhos e fixes políticos de renome e outros tais,
-se rotina: calamos e engolimos. Como bem referiu J. Bento, amigo que aí não, não sou de esquerda.
prezo e cuja obra é leitura obrigatória para mim, “vale tudo para desa- Mais do que ser conservador ou de esquerda, coisa que não me
creditar, denegrir, fragilizar, hostilizar, intimidar e transpor o espírito, a preocupa, sou sim patriota e sinto-me acompanhado pela maioria dos
letra e o território da legalidade. Já nada nos choca, por mais vergo- portugueses, num sentimento de frustração de ver o nosso Portugal,
nhoso que seja porque já estamos anestesiados. É como tivéssemos a que tanto amamos, ser já, com as sucessivas governações, uma Nação
convicção da inutilidade de assumirmos os nossos deveres cívicos”. adiada, não só para a minha geração, mas também para a dos meus
Daí eu, perante os desconcertos dos nossos governantes, trazer para a netos. Até breve.
realidade actual as palavras de ontem de Guerra Junqueiro: “Portugal
parece uma enxerga podre, onde se assiste a um bacanal de percevejos”. (1) N uma das minhas licenciaturas, a de Educação Física e Desporto, curso esse
Também já há cem anos outro escritor nos alertava da realidade iniciado ainda em Moçambique e terminado em Portugal, logo, com o 25 de Abril
sócio-política portuguesa. Assim escrevia ele, o grande Eça de Queirós, pelo meio,fui vítima de reformas atrás de reformas e de alguma prepotência de um
sobre o desgoverno português: “... da indignidade política, da ladroagem professor, pelo que, para o concluir precisei de fazer 56 cadeiras, todas elas com
exame. Não me arrependo, pois o esquema e o facilitismo ainda não estavam insti-
pública, da agiotagem, da administração grotesca de desleixo e de tucionalizados.
BOLETIM DA ASSOCIAÇÃO DOS PUPILOS DO EXÉRCITO 59