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CRÓNICAS
        CONTINUAÇÃO


              Verifica-se, então, uma intrusão nova e inaceitável, o idoso, forma   modernos, isso é motivo de apontamentos chocarreiros para provocar
           simpática de lhe não chamar velho, que muito rapidamente se transfor-  o riso dos ouvintes.
           ma num vírus que é preciso debelar.                   O idoso deveria permanecer calado e intervir apenas, por monosí-
                                                              labos, quando qualquer pergunta directa lhe fosse dirigida, no entanto,
              O idoso não é mais que um subproduto duma sociedade de con-  se acaso ousa expressar alguma opinião ou contrariar alguma permis-
           sumo,  ou  uma  peça  da  máquina  da  vida  gasta  pelo  uso  e  que,  por   sa apresentada, sucede, como soe dizer-se, que cai o Carmo e a Trin-
           falta de espaço de armazenamento, se coloca num monturo, à espera   dade. E a contradição vem na forma de uma quase imposição, com
           da sua decomposição final. Contrariamente a épocas, não tão recuadas   autorização para falar ou limitação do tempo para expor as suas ideias,
           quanto  se  possa  imaginar,  em  que  o  idoso  fazia  parte  do  agregado     isto é, com regras que não pode desrespeitar, sob pena de exclusão
           familiar onde tinha assento, onde era escutado com respeito, com as   total, ou ser considerado o culpado pelo fim do diálogo.
           suas opiniões a serem consideradas, aceites e, até muitas vezes, toma-  Fruto  de  todas  estas  considerações,  assistimos  a  um  degradar
           das com sábias, hoje em dia, assiste-se a uma contestação permanen-  constante e permanente de sentimentos que leva o idoso a isolar-se nas
           te, a uma tentativa premente de o reduzir ao silêncio, a uma censura   suas recordações ou a refugiar-se naqueles pensamentos ou evocações
           velada, a uma desconsideração exasperante e a uma insensível exclusão,   que são mais do seu agrado. Depois, a mente, naquele isolamento for-
           tão estúpida como destituída de sentido.           çado, relembra, a cada momento, o passado distante e saudoso, e diz
              O tempo em que o ancião idoso, o velho de cabelo branco senta-  para si própria, talvez com uma pequena lágrima que, disfarçadamente,
           do à lareira, reunia, à sua volta, todos os elementos da família e era   limpa com as costas da mão, para que ninguém dela se aperceba:
           escutado,  com  prazer  e  atenção,  já  lá  vai,  diluiu-se  na  pressa  do
           presente e é apenas uma reminiscência que só ele recordará. O facto   Tenho saudades!
           de, já não poder – ou não o deixarem – exercer, profissionalmente,
           qualquer actividade para que ainda se sentia apto, levava-o, tantas   Daí a uma permanente e duradoira tristeza, é somente um passo
           vezes, a desempenhar uma tarefa familiar, na ausência dos restantes   num plano inclinado com um único sentido, a descida, e que faz com
           membros, desenvolvendo uma assistência digna de apreço, tomando   que o idoso que ainda possa ter capacidade para se debruçar sobre os
           conta  dos  netos,  colmatando,  assim,  a  falta  dos  pais,  ou  fazendo   mistérios  da  vida,  se  comece  a  interrogar  sobre  a  validade  da  sua
           outros pequenos serviços em prol do agregado. Na actualidade, com   existência inútil, uma vez que tudo lhe demonstra que está a mais no
           a modernização de processos, o uso da máquina, os empregados de   meio onde se encontra, que não faz falta a ninguém, que é um estorvo,
           limpeza, os infantários, os almoços no local de trabalho, etc, os pro-  um entrave.
           genitores  com  idade  avançada,  e  com  as  mazelas  próprias  da  sua   Então, nos seus passeios tristes e solitários, aquele ser culpado por
           faixa etária, em lugar de serem úteis, dentro das suas capacidades,   prevalecer no tempo mais do que aquilo que deveria ser permitido, vai
           são apenas impecilhos a que é preciso dar destino. Deste modo, vão-   dialogando consigo próprio, apresentando sugestões que logo repudia,
           -se amontoando no que, pomposamente, se começou a chamar de   criando pensamentos que, inicialmente, afasta, imaginando hipóteses
           “lares de idosos”, à espera do desenlace final. Escapam aqueles que   que não pode testar por falta de opositor, formulando juízos, muitas
           têm a possibilidade de serem independentes, mas nem por isso deixam   vezes,  errados,  comparando  semelhanças,  analisando  ocorrências,
           de constituir um encargo.                          colhendo inúmeras ideias à medida da cadência dos seus passos lentos,
              É certo que, quando se avança na idade se vão perdendo muitas   e algo se começa a apresentar como embrião duma solução possível,
           capacidades físicas que diminuem as actividades motoras e provocam   que se desenvolve, que cria raízes, que cresce, que toma corpo, e que
           reparos, mas que uma sensibilidade bem enraizada, nos acompanhan-  vai corroendo o pensamento.
           tes, evitaria referir, para não magoar. Porém, se ela não existe, então,   Se a ninguém faz falta, se é ou não um embaraço, mas sempre uma
           aquele ruído que o idoso faz, aquando duma refeição, por uma dentição   preocupação, se representa um peso ou um fardo familiar, mesmo que
           deficiente, é tema de admoestação, muitas vezes para brilho e afirmação   não implique um encargo económico, se não tem qualquer influência
           de presença do manifestante, e gáudio dos assistentes; se uma história   no conjunto familiar, se apenas vegeta, no dia-a-dia, então, tudo se
           ou um qualquer facto é repetido, há o entediamento dos ouvintes que,   conjuga para a possibilidade de se encurtar um fim inevitável. O seu
           na maioria dos casos, ou o dizem, abertamente, ou demonstram, com   desaparecimento a todos beneficiará. Será como que uma passagem de
           sinais inequívocos, a repetição que está sendo produzida. Se, por se   testemunho. Possivelmente, mais tarde, alguém virá também a dizer:
           sentir mais confortável, ou por fazer parte da sua rotina, utiliza, com
           frequência, determinadas peças de roupa que fogem aos padrões, ditos   Tenho saudades!







                   O que é                                                           é bom









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