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CRÓNICAS
UToPIa, PreCIsa-se…!
Manuel barbosa Pereira | 19530208
rinta e oito anos depois d´Abril, Portugal sofre o pesadelo dona o nomadismo. Com as necessidades tradicionais satisfeitas, a
T de uma invasão estrangeira com as armas pesadas da economia de mera subsistência é ultrapassada e começa mesmo a
austeridade sem fim e do saque desenfreado dos “activos” gerar excedentes de produção graças aos progressos conseguidos na
nacionais e haveres da população. Uma guerra de novo – tipo organização e na especialização do trabalho, até aí todo ele colectivo.
precedida que foi por acções internas de sabotagem levadas a Foi quando a propriedade deixou também de ser colectiva e a solida-
cabo por “cavalos de Troika” residentes que destruíram em duas riedade caiu no esquecimento, perdida a memória dos grandes Pionei-
décadas o potencial económico e social do país. Esgotados os ros que descobriram o Fogo e a Roda para benefício de todos os clãs.
adjectivos e os superlativos para qualificar (e quantificar) tama- Foi afinal quando os humanos deixaram de ser iguais!
nha calamidade, a hora é de tocar a reunir os patriotas dispos- Deixaram que os inventores da exploração emergissem das trevas
tos a passar à Resistência activa… Entretanto, partilho a reflexão travestidos de profetas da primeira das religiões – que hoje tem o nome
pessoal de uma outra dimensão suscitada por este drama. de ACUMULAÇÃO. O sustentáculo doutrinário dos arautos inaugurais
da ganância radicava na falácia ainda hoje propalada, de serem fatalis-
esPÉCIe hUMaNa mos inerentes à espécie humana tanto a desigualdade entre os homens
como as próprias superstições e crenças primitivas filhas da ignorância.
A premência de dominar um habitat hostil e minimizar o impacto Embuste logo transformado em conveniente dogma pela nova casta
nefasto dos fenómenos naturais terá sido o primeiro grande desafio que de “feiticeiros” no Poder. A desigualdade entre os homens foi assim
a espécie humana teve de enfrentar. Defender-se das ameaças e ultra- suportada desde o início, por uma crença ou religião a quem cabia
passar os obstáculos que lhe condicionavam totalmente a existência pregar a resignação nas desgraças e sofrimentos “deste mundo” em
foram assim objectivos primordiais dos vulneráveis primatas que co- troca de uma hipotética igualdade e recompensas (celestiais!) no “outro
meçavam a destacar-se das outras espécies animais pela posse da mundo”. Conforme as épocas e latitudes, tal patranha assumiu diferen-
centelha misteriosa da Inteligência… As limitações individuais face às tes matizes no reforço da ilusão de uma pretensa igualdade... perante
exigências da luta feroz pela sobrevivência cedo terão levado à asso- o(s) deus(es). Após a morte!
ciação espontânea dos homens como única forma de garantir a satis- Entre nós este equívoco foi alimentado entre outros, pelo chamado
fação das suas necessidades vitais. Nesta cooperação em prol da humanismo renascentista que decretou “o homem como centro do
segurança e da subsistência colectivas residirá porventura a génese das universo e origem e finalidade de toda a criação” Teoria cedo desmen-
organizações humanas e traduz, desde logo, o reconhecimento do tida pela ciência da astronomia já no séc.XVI que valeu a Giordano
primado do social sobre o individual. Bruno a terrível morte na fogueira pela mão da tenebrosa Inquisição que
Com efeito, esta natureza “social” atribuída ao homem fruto do geria o obscurantismo neste cantinho ocidental de um mundo com
Instinto ou já da Consciência, cristaliza a breve trecho a noção de um civilizações várias vezes milenárias. Com este martírio – a que Galileu
destino mais alargado partilhado por todos os homens. Destino forjado escapou por pouco – começaram por fim a dissipar-se lentamente as
nas ameaças comuns e na ignorância do vasto mundo que os rodeava, nuvens que encobriam esta minúscula nave baptizada ”Terra” que nos
a Razão nascente começa a interrogar-se também sobre a origem e fi- transporta pelo Cosmos protegida pela sua atmosfera, integrada
nalidade da sua própria existência. Fatalismo biológico ou mesmo num sistema planetário que gravita à volta de uma estrela de reduzida
cósmico para uns ou imperativo da necessidade para outros, a obsessão dimensão. Um sistema vagamente excêntrico na periferia de uma galá-
de encontrar resposta para tais questões não mais o abandonaria. A xia também ela de dimensão mediana no conjunto dos biliões de galá-
despeito das vicissitudes dos milénios de evolução, estas interrogações xias em movimento que o universo “visível” nos oferece…
fundamentais iriam permanecer sempre vivas no espírito dos homens,
continuando a ser veiculadas de geração para geração até hoje pelos orgaNIZaÇÕes hUMaNas
maiores vultos da humanidade de todas as épocas.
Não foi ainda descoberta é certo, a fórmula mágica que permitirá O conhecimento desta relatividade universal não reduziu contudo, a
um dia (?) realizar tal destino colectivo. Um destino digno da única terráquea realidade à sua modesta dimensão. Apesar das capacidades
espécie dotada das enormes capacidades que permitiram transformar o quase ilimitadas de produção dos bens e serviços essenciais – conquis-
habitat primitivo de forma tão radical! Um destino que a Razão obriga tadas com a revolução científica/ tecnológica em todos os domínios – a
a situar acima das tarefas e lutas efémeras da vida quotidiana, reféns desigualdade e a exploração não foram erradicadas do planeta nem a
que estiveram os homens durante milénios do ciclo vicioso e inglório auto-suficiência material global logrou acabar com as crises e conflitos
do “nascimento, sobrevivência e morte”. Um ciclo que se justificava na permanentes que sempre as sustentaram. Ao invés, assistimos hoje ao
noite dos tempos quando a luta pela sobrevivência se impunha como reforço, sem paralelo na História, das oligarquias monopolistas que
única prioridade. Com a descoberta da agricultura e depois da pecuária, desviam e delapidam sem cessar recursos incalculáveis, indiferentes à
o clã conquista a segurança e a abundância da vida sedentária e aban- exaustão crescente do planeta e à miséria extrema de mais de metade da
8 BOLETIM DA ASSOCIAÇÃO DOS PUPILOS DO EXÉRCITO