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CuLTuRA E CONhECImENTO (cont.)





           onde, no que concerne por exemplo ao pão, referia que   o classificaram alguns dos seus chefes ingleses e certos histo-
           Portugal não se alimentava “mais do que sete meses em cada   riadores desta guerra. Wellington, quando chegou aos Pirenéus,
           doze” (Gurwood, 1835, p. 69). Como se não bastasse, as   chamou-lhes  ‘os  galos  de  combate  do  Exército’”  (Vicente,
           atrocidades cometidas pelos militares franceses a Portugal   2006, pp. 113 e 114).
           foram, em alguns casos, indescritíveis e de extrema cruel-
           dade. Dos roubos ao Estado, às propriedades privadas e às   Bibliografia
           Igrejas, bem assim como aos espancamentos, aos massacres   BAINVILLE, Jacques (1960). Napoleão, Lisboa, Editorial Aster
           e  às  horrendas  violações,  é  seguro  dizer  que  “está  para   BONAPARTE, Napoleão (2003). Como Fazer a Guerra, Lisboa,
           além de repugnante a forma como estes selvagens europeus   Edições Sílabo
           trataram estes portugueses desafortunados” (Simmons, 1899,   BURKE,  Peter  (1980).  Sociologia  e  História,  Porto,  Edições
           pp. 49 e 50). Aconteceram, de facto, momentos de extre-  Afrontamento
           ma  penúria  e  brutalidade  neste  conflito,  estipulando-se   GURWOOD, (1835). The dispatches of Field Marshal the Duke
           que Portugal tenha perdido cerca de 300 000 vidas du-  of Wellington, K. G. during his various campaigns in India,
           rante o período em que duraram as hostilidades.       Denmark,  Portugal,  Spain,  the  Low  Countries  and  France
              Antes, no século XVI, Nicolau Maquiavel tinha escrito   from 1799 to 1818, Vol. IV, Londres, Ed. Murray
           no seu A Arte da Guerra, que era “melhor vencer o inimigo   MARQUES, Fernando Pereira (1981). Exército e Sociedade em
           com a fome do que com o ferro, pois na vitória obtida com   Portugal. No declíneo do Antigo Regime e advento do Libe-
                                                                 ralismo, Lisboa, Regra do Jogo
           este, vale muito mais a sorte do que o valor”. E de facto, logo   SHAFRITZ, Jay M. (1990). Words on War. Military Quotations
           neste período da sua história, os franceses pagariam uma   from ancient times to the present, New York, Prentice Hall
           parte da factura pelas suas barbaridades. De forma conti-  SIMMONS, George (1899). A British Rifleman: The Journals
           nuada, as marchas executadas pelos seus exércitos, realiza-  and Correspondence of Major George Simmons, Rifle Brigade,
           das não raras vezes sem caminhos e sem abrigos, aliadas à   during the Peninsular War and the Campaign of Waterloo,
           recorrente fadiga, mas também à fome, à desilusão, à dú-  Londres, Piers Robert Meagher/Willoughby Cole Verner
           vida, e tantas vezes à morte, ditaram o resultado do con-  VINCENTE, António Pedro (2006). Guerra Peninsular 1801-
           flito e expuseram a deficiente manobra logística dos fran-  -1814, Colecção Batalhas da História de Portugal, Lisboa,
           ceses,  fazendo  inteira  justiça  ao  alerta  de  Frederico  o   Quinovi
           Grande, quando referiu que “a fundação de um Exército está
           na  barriga”  (Shafritz,  1990,  p.  231).  Em  contraponto,  as
           forças  aliadas  encontravam-se  quase  permanentemente
           concentradas e podiam ser movimentadas de forma prati-
           camente constante, possuindo os ingleses – ainda que não
           isentos de dificuldades para a sua obtenção – os recursos
           financeiros e os transportes suficientes para o cumprimen-
           to das suas missões. E, nesse compasso, potenciou-se cada
           vez mais a inteligência e o heroísmo de Wellington, e re-
           velou-se, em crescendo e de forma inequívoca, o triste fim
           que aguardaria, em breve, o atrevimento, a arrogância e a
           cegueira estratégica de Napoleão Bonaparte.
              A Logística e sobretudo a vontade de vencer, acabariam
           por ser os factores diferenciadores no sucesso das forças
           aliadas  na  Guerra  Peninsular.  Como  disse  o  Brigadeiro
           Maunsell – num dos extratos do estudo Morale, Leadership,
           Discipline da Royal Military Academy, em Sandhurst – “no
           fim de tudo, importa lembrar que o sucesso na guerra depen-
           de, mais do que tudo, na vontade de vencer” (AAVV, [s.d.],
           p. 27). Quando a Guerra Peninsular acabou, “os ingleses
           embarcaram e os portugueses e espanhóis atravessaram os
           Pirenéus para voltarem à Pátria. (...) salvaguardadas todas
           as calamidades a que foram submetidas a terra e a gente
           portuguesa, pelas vidas perdidas, pelo empobrecimento de um
           país sujeito a anos de fome e de brutal carestia, algo perma-
           neceu, em anos vindouros, dignificando um povo tão sacrifi-
           cado  –  o  elogio  às  qualidades  demonstradas  pelo  soldado
           português: enérgico, frugal, paciente, dócil e engenhoso, como   Sir Arthur Wellesley, Duque de Wellington



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