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CuLTuRA E CONhECImENTO
A importância da Administração,
da Intendência e da Liderança
em cenário de Guerra:
Lições da Guerra Peninsular DAVID PASCOAL ROSADO
19850253
“A Guerra na Península foi, essencialmente, uma guerra de provisões.”
Piers Mackesy
al como disse George Orwell, “a História é escrita
Tpelos vencedores”. Cabe depois ao tempo e sobretudo
aos investigadores, com a sua minúcia e infinita paciência
e dedicação, tratar de aferir o testemunho escrito ao que
efetivamente aconteceu na realidade, num exercício que
balança quase sempre entre o mais arrojado e o menos
temerário dos cenários, encontrando-se – mais ou menos
a meio caminho – a solução mais verosímil do que afinal
aconteceu. E isto acontece assim porque a “mudança é
estruturada e as estruturas mudam [pelo que] (...) somen-
te comparando-a com outras” é que conseguimos alcançar
esse objectivo (Burke, 1980, p. 9).
As Guerras ilustram bem este último desiderato e é
preciso que se compreenda que as Guerras constituem o Batalha do Buçaco
pior dos tipos de crise existentes. Neste domínio, embora
seja frequentemente endereçado à Administração e à In- sem surpresa, o escritor francês Ponsignon referiu que “É
tendência um papel central nos conflitos bélicos (na as- difícil encontrar elementos para a história de um serviço na
sunção de uma Logística que deve estar em estreita liga- história militar geral porque (é uma triste verdade) só quan-
ção com a Táctica e a Estratégia), contudo, de forma do esse serviço se presta a críticas é que se faz menção dele”
recorrente, quase sempre essa importância não é reflecti- (apud Santos, 2010, p. 11). No caso português, sabemos
da com a suficiente amplitude nos testemunhos escritos que foi em 1801 que se iniciou a organização dos serviços
dos acontecimentos, sobretudo quando comparada com o de subsistências e transportes do nosso Exército, enquan-
impacto das batalhas, dos heróis, das cargas de cavalaria e to estrutura organizacional que estaria vigente durante a
dos assaltos de infantaria. Entre as excepções que podemos época das Invasões Francesas. Tratava-se de uma medida
encontrar, conta-se a famosa frase de Napoleão quando se absolutamente essencial, até porque, três anos antes, no-
apresentou em 1796 ao Exército dos Alpes, enquanto meadamente na Primavera de 1798, o perfil do soldado
força que estava num estado lastimável, quase sem arti- português era este: “mal pago, recebe dois vinténs, ou qua-
lharia, sem cavalos, sem abastecimentos e sem munições renta reis, dos quais se retira ainda alguma coisa para o seu
(Bonaparte, 2003, p. 9): “Soldados, estais nus e mal alimen- vestuário; é uma quantia insuficiente (...) sobretudo em
tados. Eu levar-vos-ei às planícies mais férteis do mundo. Lisboa; pão, uma sardinha e mau vinho, constituem toda a
Ricas províncias e grandes cidades cairão em vosso poder. alimentação destes homens que só raramente ou nunca têm
Ali ireis encontrar honra, glória e riqueza” (entre outros, carne e legumes”(relato de um cientista alemão, recordado
cfr. Bainville, (1960), p. 75). por Marques, 1981 apud Idem, p. 45).
Nunca é fácil o trabalho levado a cabo pelos respon- Era difícil desenhar um cenário económico e político
sáveis logísticos. Se tudo corre bem, a importância que pior do que o que vigorava no nosso país à época. Entre
lhes conferem nem sempre tem o cunho do reconheci- outras vulnerabilidades, Portugal apresentava uma situação
mento merecido. Ao contrário, se tudo corre mal, ou pelo alimentar preocupante, com grande carência de alimentos.
menos não corre tão bem como deveria correr, é certo que Sem pejo, Wellington abordaria, logo numa das suas pri-
o trabalho dos logísticos será objecto de crítica. Por isso, meiras cartas, a parca amplitude da produção nacional,
Boletim da Associação dos Pupilos do Exército | 19