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CRóNICAs
pilão no feminino
ERNÂNI BALSA
19600300
á coisas assim… era dia de festa no pilão, comemorava- ontem, depois de regressar a casa, terminadas as cele-
h-se o centésimo primeiro aniversário do instituto, ontem brações de mais este aniversário do instituto, numa conta-
mesmo, dia vinte sete de maio e tinha já entregue o meu gem, que as adversidades do presente não deixam adivinhar
texto para este espaço do boletim, havia uns dias. eis senão que se continuem a repetir por muitos mais anos, dada a
quando, o fernando pires, o homem do boletim, me informa frieza dos números duma economia que não se compade-
que o texto que eu havia enviado estava com problemas de ce com tradições e nem quase com pessoas, dei comigo a
espaço. era preciso um texto mais pequeno para esta edição. recordar a alegria e vivacidade das nossas ex-alunas, nossas
ora, vamos lá a ver o que hei-de eu de escrever, comen- colegas de percurso e de tradição, de princípios e valores,
tei comigo próprio. podia aproveitar um texto já escrito, mas também de vivências comuns, e imaginei o inimagi-
daqueles que tenho guardados no meu baú da escrita, mas nável… é que o pilão nunca mais terá sido o mesmo
não me estava a apetecer. pensei, pensei e às tantas, porque desde a altura em que mulheres puderam partilhar aquela
não aproveitar aquele painel humano de alunos, ex-alunos casa com os jovens que até ali tinham sido a sua única
e famílias em dia de festa, para alinhar algumas conside- identidade. vê-las num convívio aberto com todas as gera-
rações e sensações daquela jornada de convívio?... ções de pilões, apreciar a sua vivacidade, entrega e emoção,
dei comigo, então, a pensar num pormenor que me observá-las a desfilar num batalhão de ex-alunos, como há
chamou a atenção. o número, talvez inusitado de ex-alunas décadas não se fazia naquela parada, com toda a firmeza
presentes neste aniversário do pilão. e isso levou-me a e ao mesmo tempo graciosidade feminina, foi uma prova
considerar que estas pinceladas femininas num universo de que a sua passagem por aquela casa tão bela e tão ri-
maioritariamente masculino, poderiam ser um bom moti- dente, lhe trouxe uma nova dimensão. a dimensão da
vo de reflexão. equidade do género, do respeito pelas duas grandes dimen-
na realidade, o advento, de em determinada fase das sões humanas, o masculino e o feminino, numa demosn-
inúmeras mudanças que têm ultimamente acontecido na tração de que a vida e as instituições que a sustentam e
vida do instituto, ter contemplado a entrada de alunas, compõem, é para ser partilhada na universalidade e com-
mesmo que nos cursos de bacharelato e superiores e em plementaridade dos universos do homem e da mulher.
regime de externato, parece-me ter sido uma revolução, aquelas mulheres, hoje adultas e mães de família, tive-
ainda não devidamente analisada, nos cânones tradicionais ram o condão de trazer àquele espaço a sensibilidade que
duma instituição esmagadoramente masculina. e parece-me só as mulheres cultivam, a harmonia, a beleza sem rodeios,
que talvez só agora, à distância do tempo e de outra rea- a elegância congénita da sua condição, a fragância dos seus
lidade, nos possamos começar a aperceber da importância perfumes, o brilho dos seus olhos, o discernimento dum
e relevo dessa ousadia. universo matriarcal e ao mesmo tempo materno, a dife-
no meu tempo, a presença feminina no pilão era redu- rença que fazia falta à prevalência do homem num uni-
zida a uma minoria de funcionárias, cujas funções, segun- verso imperfeito.
do a tradição e regras da época, eram exclusivamente e hoje em dia, embora numa proporção ainda diminu-
executadas por mulheres e ficava-se por aí. saliente-se que ta, são suas herdeiras, as jovens alunas que contribuem
nem no corpo docente havia mulheres e portanto, as pou- também para um enriquecimento da igualdade entre sexos.
cas que lá trabalhavam, tinham a ver com a execução de aquelas pequenas “piloas”, pioneiras de mais um passo em
tarefas eminentemente femininas e de categoria profissio- frente na ruptura com preconceitos que às vezes se con-
nal muito específica. era, por assim dizer, o espelho da fundem com tradições, carregam também em si, sinais de
época, como se determinadas funções pudessem ser atri- mudança. poderão ser os últimos, talvez, antes duma der-
buídas a pessoal menor, mesmo sendo mulheres, mas essas rocada anunciada, no entanto ainda evitável, mas elas re-
mulheres não carregassem consigo uma identidade femi- presentam a convicção de que não se deve ter medo de
nina. no fundo, nos códigos do conservadorismo daqueles inovar e mesmo afrontar o que se julga ser imutável.
tempos, eram quase trabalhadoras assexuadas, que apenas todos nós, pilões de antanho ou mais recentes, devemos
eram mulheres porque desempenhavam funções que ne- prestar homenagem a essas mulheres, mais maduras ou
nhum homem desempenharia. funções que tinham essen- ainda jovens, que ousaram, em boa hora, romper as mura-
cialmente a ver com lavagem, costura e tratamento das lhas do preconceito e trazer ao instituto a universalidade
roupas dos alunos e pouco mais. o universo de alunos e do género humano, feito de homens e mulheres, de dife-
professores, de militares e pessoal administrativo, era por- rentes sensibilidades e condições, de sonhos de todas as
tanto inequivocamente masculino. cores
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