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cRóNIcAs (cont.)





              O dia chegou hoje. 24 de Dezembro de 2011 passou   berto  de  um  enorme  fardo,  telefonei  para  a  Dida  que
           a ser uma data importante na minha vida. É véspera de   consoava, este ano, com a sua irmã Bina. Podia ser dife-
           Natal. O telefone não pára de tocar. Fazem-se listas para   rente? Já não acreditava. Afinal de contas a idade ajuda a
           se não esquecerem os amigos e vou riscando as mensagens   amadurecer-nos a alma e a fazer-nos sentir que quando as
           e os telefonemas feitos. No meio da confusão das rabana-  coisas são verdadeiramente importantes e sentidas não há
           das e da lareira que não se pode deixar apagar, o caderno   orgulhos,  nem  barreiras  suficientemente  fortes  que  nos
           de apontamentos deixa 3 nomes em aberto como acon-  impeçam de as ultrapassar. O telefonema foi igual, como
           tece  há  já  vários  anos.  Mas  desta  vez,  sei  lá  porquê,  a   se nada se tivesse passado e os vinte anos passados tives-
           coragem venceu o medo, a determinação foi mais forte do   sem sido ontem. E se calhar foram. Nada se passou que
           que a inércia e a comodidade do “deixa andar”. Quando   pusesse em causa o muito que nos unia. Apenas tínhamos
           peguei no telefone não sabia como ia ser a resposta do   feito uma viagem longa e muito estúpida e que agora tinha
           outro lado. Sabia apenas que eu queria muito, como há   um fim.
           muito já queria e não tinha sido capaz. A voz saiu não a   Como mensagem de Natal eu não podia ter melhor.
           medo  mas  descontraída  como  sempre  faço  de  cada  vez   Afinal esta comemoração, às vezes tão imaterial mas tão
           que  me  encontro  numa  situação  embaraçosa.  À  voz  do   desejada,  também  pode  ser  isto.  Estou  convicto  que  o
           “está  lá?”  do  Manel  perguntei,  a  medo,  se  sabia  quem    Natal é mesmo isto, apresentado em diversos formatos e
           falava  e,  no  pequeno  lapso  de  tempo  que  transcorria,   servido de diversíssimas formas. Consoar não é só comer
           cresceu-me em ansiedade o que me sobrava em coragem.   o bacalhau nem distribuir os presentes que todos já temos
           Que sim, “és o Zé, estás bom, conheci-te logo”.    e  nada  acrescentam.  Consoar  é,  acima  de  tudo,  sermos
              Quebrou-se o gelo, mas mais do que isso, o bom do   capazes  de  nos  alimentarmos  com  estes  condimentos  e
           Manel tinha-me reconhecido a voz, ele que não me ouvia   partilhar a coragem e o Amor que tantas e vezes nos fazem
           falar  ao  telefone  há  mais  de  vinte  anos.  Perguntei  pela   falta. Tenho a certeza de que amanhã irei acordar devagar,
           Gina,  pelas  filhas  e  desejei-lhe  um  santo  e  feliz  Natal.   muito  devagar  até  que  a  manhã  aconteça  solarenga.  Às
           Suspirei de alívio que às vezes é sinónimo de felicidade.   vezes as manhãs ficam diferentes. Nós é que não as que-
           Quase de seguida, e com o alento de quem se sentiu li-  remos ver.


















































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