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Cultura & JULgADOS DE PAZ PALAVRAS SOLTAS – II Cultura &
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O lIvRO E A lEITuRA. O ACORDO ORTOGRáFICO
ão falta quem influen- entrelaça a educação com o huma- então a escrever: inseto, ação ,óti-
ciado pelo desenvolvi- nismo. Pena é que neste tempo mo, exceção e assim por diante. E
mento tecnológico e pe- sem tempo que nos foi dado viver, escreveremos também: leem,
las novas formas de co- em que a ciência e a técnica foram veem, creem, sem acento circun-
Nmunicar, venha reme- endeusadas, se leia tão pouco, para flexo no primeiro e. Os meses do
tendo a leitura para o recanto das o que concorrem certamente múl- ano serão grafados com inicial mi-
futilidades, o que tem levado fu- tiplas razões, dentre as quais não núscula. Nas palavras graves que
turólogos de ocasião a vaticinarem será de excluir, penso eu, o preço têm como sílaba tónica o ditongo
o fim do livro elevado do livro. E aqui estamos oi , este perde o acento, como he-
como o conhece- perante um inelutável círculo vi- roico e jiboia. Já o perdia em dezoi-
mos até hoje. É cioso – o livro é caro porque se to e comboio. Estes são simples
certo que as novas vende pouco e vende-se pouco tópicos para amostra. Há quem
tecnologias e até porque é caro. A leitura e a língua diga que foram feitas demasiadas
alguns meios de portuguesa são domínios estraté- cedências ao Brasil, mas este tam-
lazer vêm contri- gicos para a divulgação de saber e bém cedeu, por exemplo, abolindo
buindo para re- para o exercício do pensamento o trema.
duzir a procura e lógico e devem ser acarinhados Pessoalmente não tenho muita
Licínio Granada o interesse pelo li- pelo Estado. simpatia pelo acordo em questão,
(19490154) vro. Por outro Escrever sobre livros traz natu- mas reconheço que ele tem a vanta-
lado, a literacia ralmente à lembrança o tão falado gem de unificar a ortografia dos paí-
electrónica e o acordo ortográfico de 1990, cujo ses falantes da língua portuguesa.
apelo que ela exerce sobre as no- tempo limite para entrar em vigor Ou talvez, para ser mais preciso, de
vas gerações, além de adversária é o ano de 2014, o qual já foi referi- adaptar a forma luso-africana de es-
do livro, parece ser também severa do no Boletim nº 216 em oportuno crever à forma brasileira.
adversária da memória. Não sur- artigo da autoria de Ana Martins. Licínio Granada
preende, por isso, que estudos A este acordo já ouvi chamar, com (1949.0154)
apresentados na Fundação Gul- algum funda-
benkian, revelem que apenas um mento “desacor-
em cada cinco portugueses seja do ortográfico”,
capaz de compreender satisfato- tantos são os
riamente o que lê, sendo este o re- seus opositores,
sultado mais baixo entre todos os entre os quais se
países analisados nesses estudos. contam intelec-
Pensando nos mais jovens, a Esco- tuais notáveis
la devia preocupar-se em cultivar como Eduardo
o domínio e o prazer da leitura, Lourenço e Vas-
não só do livro, mas também de co Graça Moura,
jornais e revistas de bom nível li- muitos outros
terário e educativo. A escritora ainda. É certo
Isabel Alçada, ministra da educa- que a língua evo-
ção na altura em que redijo esta lui e muda. Já es-
crónica, foi coordenadora do Pla- crevemos: scien-
no Nacional de Leitura e mostrou cia, pae, portu-
ser possível tornar a prática da lei- guez, paiz, ahi,
tura um bem precioso e estimu- fructo, anno, cre-
lante. ança etc. Sabe-
Quando lemos um livro é todo mos que no actu-
o mundo que se abre diante de nós, al acordo as con-
num deleite do espírito e desen- soantes mudas
volvimento do intelecto. É por isso serão suprimi-
que o livro perdurará indiferente das, já que o cri-
ao fluir do tempo, continuando a tério fonético se
ser um instrumento cultural por vai sobrepor ao
excelência que projecta o poder critério etimoló-
eterno e maravilhoso da palavra e gico. Passaremos
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