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Viagens féRIAS, PARA QUE VOS QUEREMOS…
& Lazer
O Verão, como todo o resto do ano, cansados do que antes. Outros, ainda, como não devemos forçar um terreno agrí-
voa. Ansiamos pelas férias como al- não gozam o direito à tal pausa neces- cola fértil com uma produtividade ininter-
guém que tem sede no deserto e pro- sária, muitas vezes por motivos fi- rupta que depressa o esgotaria, também o
cura água para sobreviver. Andamos nanceiros ou porque se habituaram a esforço constante esvaziará o nosso vigor
um ano inteiro a correr em direcção a não exigir nada da vida. mental, enquanto um curto período de re-
elas, fazendo planos de descanso e la- Para os felizes, que têm a arte e a pouso restaurará o nosso poder. O esforço
zer, de ocupação do tempo que não sorte de chegar ao seu tempo de des- continuado leva a um tipo de torpor mental
temos para viver, canso “em forma”, para poderem des- e letargia. Nem os desejos dos homens de-
na azáfama que é frutar em pleno deste tempo que a to- vem encaminhar-se tão depressa nesta di-
a vida de muitos dos é devido, as férias não precisam recção se o desporto e o jogo os envolvem
de nós. de ser umas férias de sonho, daquelas numa espécie de prazer natural; embora
As tão deseja- que as revistas nos tentam vender. uma repetida prática destrua toda a gravi-
das férias acabam Penso que mudar de ares faz bem a dade e força do nosso espírito. Afinal, o
por chegar e, com toda a gente, e por isso talvez haja for- sono também é essencial para nos restau-
elas, a necessida- mas económicas de conseguir este rar, mas se o prolongássemos constante-
de de mudança objectivo, como por exemplo ir até à mente, dia e noite, seria a morte.
das rotinas que terra de algum familiar e conhecer ou
Margarida Pereira nos acompanham reviver os seus hábitos e costumes. E Séneca (filósofo romano),
(1977.1051) ao longo do ano. É tentar sentir a vida devagar…será que in ‘Da Brevidade da Vida’
o tempo de parti- ainda sabemos sentir a vida devagar?
lharmos com Gostaria de juntar a esta minha di- O fim último da vida
aqueles que nos são mais próximos, vagação alguns pensamentos que li e não é a excelência!
momentos de descontracção e bem- que me fizeram reflectir. Infelizmente …
estar. Uns escolhem a praia, para irem nem sempre nos lembramos deles, e Eis a ideologia criminosa que se insta-
buscar a energia que o sol nos dá, e quando isso acontece, mais cedo ou lou definitivamente nas sociedades moder-
“carregar baterias” para mais um ano mais tarde pagaremos com a nossa nas: a vida não é para ser vivida - mas cons-
de trabalho que rapidamente aí está saúde. truída com sucessos pessoais e profissionais,
de novo. Outros escolherão os ares do Para aqueles que já gozaram fé- uns atrás dos outros, em progressão geomé-
campo, e todos os benefícios que estes rias, espero que tenham sido retem- trica para o infinito. É preciso o emprego de
poderão trazer à sua saúde. Alguns, peradoras e gozadas da melhor for- sonho, a casa de sonho, o maridinho de so-
ainda, procurarão destinos longín- ma. Àqueles que ainda vão ter esse nho, os amigos de sonho, as férias de sonho,
quos, e rumarão a paragens porven- seu tempo, desejo que consigam fazer os restaurantes de sonho. Não admira que,
tura paradisíacas, paisagens de so- uma gestão equilibrada de descanso e até 2020, um terço da população mundial
nho…E é assim que, à medida de cada diversão. esteja a mamar forte no Prozac. É a velha
sonho e também de cada bolsa, o ser história da cenoura e do burro: quanto mais
humano pára para descansar. Pelo Trabalho e descanso temos, mais queremos. Quanto mais quere-
menos assim deveria ser. na justa medida mos, mais desesperamos.
Estranhamente, e de forma mais A meritocracia gera uma insatisfação
comum do que se calhar supomos, o A mente não se deve manter sempre na insaciável que acabará por arrasar o mais
tempo de férias nem sempre é o tal mesma intenção ou tensão, antes deve dar- leve traço de humanidade. O que não deixa
tempo de descanso e paz de espírito se também à diversão. Sócrates não se en- de ser uma lástima.
de que todos necessitamos para vi- vergonhava de brincar com as crianças, Se as pessoas voltassem a ler os clássi-
vermos equilibrados. Acontece a al- Catão aliviava com vinho o seu ânimo fati- cos, sobretudo Montaigne, saberiam que o
gumas famílias, pouco habituadas a gado dos cuidados públicos e Cipião dan- fim último da vida não é a excelência, mas
estarem tanto tempo seguido juntas, çava com aquele corpo triunfante e militar sim a felicidade.
chegarem à conclusão de que já se (...) O nosso espírito deve relaxar: ficará
afastaram tanto ao longo do ano, que melhor e mais apto após um descanso. Tal João Pereira Coutinho (jornalista)
perderam os laços mais importantes
que os deveriam unir. As férias, para
estes, representam um tempo doloro-
so, muitas vezes de conflitos familia-
res e de desgaste. Há também aqueles
que anseiam tão fortemente pelas fé-
rias, que desejam viver naqueles dias
tudo o que não viveram durante o
ano, e para estes, é fácil perceber que
as férias, em vez de um tempo de des-
canso, acabam por ser um enorme
stress, regressando ao trabalho mais
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