Page 42 - Boletim APE_218
P. 42
Cultura & A TRAVIATA ADEUS LUA? Cultura &
Actualidade Actualidade
os anos 70, numa co-
ontinuando a falar de um pouco piro- nhecida série de aven-
ópera e para fechar o ci- so, serve de tema turas de ficção científi-
clo de Verdi, vamos re- a uma das mais ca intitulada Espaço
lembrar um pouco da bonitas óperas N 999, a nossa Lua li-
1
CTraviata, ópera estrea- de Giuseppe Ver- bertava-se da Terra indo vaguear
da em 1853 em Veneza no teatro “ di pelo Universo fora. Felizmente
La Fenice”. Surpreendentemente Francesco Ma- que se tratava apenas de ficção e
o público não a aceitou muito bem ria Piave, amigo e em 1999 a Lua continuou no lugar
e a estreia foi um grande fracasso, um dos princi- a que sempre nos habituou. Mas,
mas em encenações seguintes teve pais libretistas de será que vai ser
enormes êxitos e foi depois consi- Verdi, escreve sempre assim?
derada uma das um libreto sobre Quando os pri-
mais belas obras o tema, Verdi meiros astro-
de Verdi. constrói a músi- nautas viajaram
A l e x a n d r e ca e nasce a ópera sos nada atrás destes. até à Lua deixa-
Dumas Filho es- “La Traviata” que à letra quer dizer Para aqueles que não assistam ram, entre vá-
creveu um livro “A Transviada”. a espectáculos de ópera, existe
que intitulou de Esta é uma das novas óperas de discografia variada com árias can- rias outras coi-
“A Dama das Verdi que à semelhança do Rigol- tadas pelos melhores tenores e so- sas, alguns es-
Camélias”. Des- letto e do Trovador, apresentam pranos mundiais, como Pavaroti, Alexandre pelhos aponta-
Rui Cabral Telo crevia a vida de uma forma diferente do que até aí Plácido Domingo, Maria Callas, Morgado Correia dos na direcção
da Terra. A par-
(19480265) um a cortesã em eram as óperas da época. É uma Ana Mofo e Monserrat Caballé
França, que vi- obra de lindas árias e de uma con- entre muitos outros. Esta última, tir destes espe-
via uma vida tinuidade entre elas bastante me- como sabem, bem nutrida e cheii- lhos é possível medir, com a ajuda
desregrada, sempre em festa e lodiosa fugindo ao que até aí se nha de carnes, consegue arrebatar de raios laser, todas as variações
subsistindo por conta de diversos usava de falas musicadas muito o público na ária da morte de Vio- na distância Terra – Lua com uma
senhores que a mantinham como entediantes. letta, apesar do seu físico não se precisão superior aos mm. Assim,
amante. Mas o amor entra em Margarida Gautier passa a Vio- coadunar muito com uma tísica pôde-se constatar que, em média, constante a Lua partirá definiti- correspondente a cerca de 2 milé-
cena e a nossa Margaritte Gautier, letta Valéry e Armand Duval em fase terminal. Mas a ópera tem o nosso astro vizinho se afasta de vamente da atracção gravitacional simas de segundo por século.
assim se chamava, conhece um transforma-se em Alfredo Ger- destas coisas, a música consegue nós cerca de 3,8 cm por ano! À terrestre dentro de 30 biliões de Devido à conservação de uma
cavalheiro, Armand Duval, e mont. empolgar e fazer esquecer algu- partida pode não parecer muito anos. Ora como se pensa que o sis- grandeza física muito importante
apaixonam-se perdidamente. Cla- A ópera é normalmente repre- mas imagens não concernentes mas, para dar um termo de com- tema solar apenas viverá mais 5 intitulada momento angular – re-
ro que o Pai do cavalheiro, senhor sentada em 4 ou 3 Actos. Em mui- com o desenrolar da história. paração, os continentes afastam- biliões de anos aproximadamente, lacionada com uma conservação
nobre e de nome intocável, não tas das encenações o 3º acto é Houve encenações em que o pú- se, em média, apenas 1 a 2 cm por parece que nunca ficaremos sem a de simetria nas rotações no espa-
pode permitir tal devaneio a seu apresentado como sendo a segun- blico aplaudiu de pé quase até à ano. Do mesmo modo que estes já nossa companheira. Mas porque ço – uma vez que o momento an-
filho e acaba por falar com a nossa da cena do 2º. exaustão, a representação e o can- formaram um só, também a Lua é que a Lua se afasta? Tal como no gular da Terra e da Lua diminuem,
heroína obrigando-a a abandonar Todas as cenas são normal- to de Monserrat. já se encontrou muito mais perto artigo do número 216 sobre a sin- é necessário que o momento an-
tal amor para salvação de Ar- mente ricas em ambiente e vestu- ** de nós. Aliás, fazendo o relógio cronização dos movimentos de gular orbital aumente para que
mand. Assim, Margaritte renun- ário, quase sempre em festa quer Se com este meu pequeno resu- andar para trás verificamos que a rotação da Lua, a resposta está haja conservação no total. Isto re-
ciando ao seu grande amor, volta em casa de Violetta quer de suas mo conseguir fazer com que al- Lua e a Terra já se encontraram o nos efeitos de maré. Como vimos sulta no afastamento dos dois cor-
à sua vida desregrada deixando amigas. guns pilões fiquem com vontade e que corrobora uma teoria de pas- anteriormente, estes efeitos são pos. À medida que a rotação da
Armand completamente destro- Das árias mais bonitas desta- acabem por vir a assistir a alguma sado comum. Se se olhar para o responsáveis por uma modifica- Terra se aproxima da sincroniza-
çado e de coração partido. Mas cam-se a célebre canção do cham- das encenações que frequente- ção no período de rotação da Lua. ção e que esta se afasta da Lua, o
tarde, Margaritte muito doente, panhe, que os americanos intitu- mente aparecem no nosso País, já futuro, será que a Lua um dia vai Ora, o mesmo se passa com a Ter- efeito de maré entre elas vai dimi-
com a tísica (tuberculose), acaba laram “drinking song” e também dei por bem empregue o pouco mesmo partir? O problema é real: ra (especialmente com os oceanos, nuindo. Simulações feitas em
por receber Armand no seu leito o “sempre libera” em que Violetta tempo que levei a escrevê-lo. quanto mais a Lua se afasta da daí o nome de efeito de maré): de- computador apontam no sentido
de morte. Aí, Armand jura-lhe canta fazendo ver a tudo e todos o Vão ver A Traviata e apreciem Terra, maior é a perturbação que
que sempre manteve por ela um quanto preserva a sua liberdade. um bom espectáculo que alia uma a força de gravidade do Sol exerce vido à atracção diferencial do nos- de que se a Terra e a Lua resisti-
amor que será eterno e quer conti- Já vi em Lisboa duas encena- boa e alegre música a um ambien- sobre ela e menor é o efeito do nos- so planeta por parte da Lua, o seu rem à destruição do sistema solar,
nuar a viver com ela. Mas já é tar- ções da Traviata, uma no São Car- te de festa e de luxo apesar do seu so planeta. Existe um limite de período aumenta lentamente. Fo- nunca se separarão, mesmo após
de e, Margaritte, completamente los e outra no Trindade, ambas triste final, que muitas vezes dei- afastamento, a partir do qual a ram encontrados fósseis com cer- 30 biliões de anos: seria atingida
tomada pela doença, apesar de lhe muito bem conseguidas em que xa o espectador com uma lagrimi- atracção do Sol liberta definitiva- ca de 400 milhões de anos onde uma estabilização dos períodos de
fazer crer que aceita a sua decisão, entravam alguns dos nossos bons nha no olho. mente o nosso satélite, que corres- havia evidências de um dia com rotação da Terra, Lua e orbital à
acaba por morrer-lhe nos braços. cantores juntamente com outros ponde a cerca de 4.5 vezes a dis- 22 horas, menos duas que actual- volta dos 50 dias!!!
Este romance, poderemos dizer, estrangeiros, não ficando os nos- tância Terra – Lua actual. Se a mente. Medições rigorosas feitas
taxa de afastamento se mantiver hoje em dia indicam um atraso
40 | Associação dos Pupilos do Exército Associação dos Pupilos do Exército | 41
Revista Pupilos 218.indd 41 10/11/08 14:19:00