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CRóNICAs
“Crise? Claro, mas apenas
para alguns…”
MARGARIDA PEREIRA
19771051
cebemos que para alguns a crise nunca chega, nem che-
gará. Poderia até pintar este mundo e esta sociedade com
uma paleta de cores bem diferentes, mas tenho que ser
sincera, pior que o cinzento que vai caracterizando a
chamada “época de crise” dos países desenvolvidos, há o
negro, que posso simbolizar com tudo o que já há muito
se passa em países africanos e outros, em que um ser
humano morre de fome a cada segundo, aquela fome que
praticamente nenhum de nós ainda conhece e para a qual
teria que ser inventada uma palavra muito mais forte que
a palavra “crise”...
Em pleno contraste, continua e continuará a existir
uma “fatia” do globo que tem a vida colorida, e que por
mais crises que existam conhece apenas o lado solar da
vida.
alar de “crise”, numa época como esta que atravessamos Todos sabemos que o número de desempregados em
Fhá um tempo suficientemente largo, pode ser para Portugal é dramático, sabemos o que isso significa em
muitos fastidioso e repetitivo. No entanto, gostaria de termos de destruição de vidas familiares, sabemos também
exprimir algumas opiniões pessoais sobre aquilo que nos que há aqueles que tal como diz a música “Sobe Luísa,
“toca”, enquanto cidadãos, e apontar alguns possíveis Luísa sobe, sobe que sobe, sobe a calçada” (poema “Calçada
caminhos a seguir, não ao nível das decisões políticas, que de Carriche”, de António Gedeão), têm rotinas diárias
nos ultrapassam, mas ao nível daquilo que está nas nossas comparáveis ao que costumamos chamar de “vida de cão”.
mãos podermos fazer. Para muitos, ir a um restaurante, nos dias que correm, é
Penso que já há muito tempo que não vivemos numa um luxo, enquanto que para muitos outros, isso continua
democracia, e ouso até dizer que quase já não podemos a ser algo que as suas carteiras continuam a poder facil-
dizer que temos uma identidade própria, nem que somos mente pagar.
senhores das decisões que a Portugal dizem respeito. Conheço jovens que têm as suas vidas estudantis
Estamos nas mãos da Europa com poder, e para isso con- altamente facilitadas, pais que lhes proporcionam as
tribuímos com o nosso modo de ser e estar na vida. mordomias que estragam qualquer efeito pedagógico da
Achámos, e fizeram-nos acreditar, que em tudo éramos satisfação de alcançarmos algo, apenas com o nosso
iguais a outros países da Europa, ricos, com princípios de esforço e dificuldades. Outros, deparam-se com as difi-
cidadania interiorizados, e com direito a tudo o que nos culdades enormes de se deslocarem para as escolas e
fizesse sentir que tínhamos crescido como país. Enganámo- faculdades, longe de casa, deparam-se com as magras
-nos, enganaram-nos e deixámo-nos enganar. carteiras dos pais que não lhes permitem acompanhar em
Já os Romanos, no séc. III a.C., se referiam aos Lusi- muita coisa os seus colegas, os seus “iguais”. Sei concre-
tanos como sendo “Um povo que não se sabe governar, nem tamente de casos de jovens que se vêem obrigados a
se deixa governar” (General Galba) e, por muito que suspender a sua formação universitária, por dificuldades
lamente, penso que tinham razão. financeiras dos pais.
Hoje, em finais de 2012, olhamos para o panorama Saídas profissionais são escassas e, mesmo nas possíveis
nacional, europeu e mesmo mundial, e deparamo-nos com saídas de jovens para o estrangeiro, à procura de melhor
um mundo essencialmente “cinzento”. futuro profissional, é fácil perceber que apenas alguma
Olhamos para a classe política, da esquerda à direita, elite consegue fazê-lo.
com a desconfiança que merece, percebemos que a socie- Aqueles que podem recorrer à saída do seu país, em
dade está a criar cada vez maiores “fossos” sociais e per- busca de oportunidades profissionais, fazem-no muitas
48 | Boletim da Associação dos Pupilos do Exército