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CRóNICAs (cont.)
Este senhor vive com uma filha que, diariamente, vai Já quase a chegar a casa, ainda sou chamado pelos
trabalhar para Lisboa e, então, deambula pelo parque para agudos latidos da Nina, uma cadela linda da porteira de
passar o tempo. Confessou-me uma vez, que o pequeno uma das torres, que me chama da varanda para que eu
rádio que sempre o acompanha, tinha caído ao chão e lhe dê a dose de festas a que está habituada.
que, por mais que tentasse, não o conseguia pôr a funcio- Quase no fim da minha viagem, acabo por ser aborda-
nar, e disse-me aquilo com tanta mágoa que, no dia se- do por uma senhora, com o aspecto de pessoa com uma
guinte, fui a correr comprar outro, baratinho, numa loja vida passada sem restrições, e de quem desconheço qual-
chinesa, que lhe entreguei para suprir a falta do avariado. quer parentesco ou relacionamento, mas que mora na zona,
A minha consolação é ver este meu amigo sempre de confesso que não sei onde. Baixinho, muito em segredo,
aparelho encostado à face, e ouvi-lo dizer: para que ninguém repare, e deveras constrangida, pede-me
– A situação está má!... Está mesmo muito má!... cinco ou dez euros emprestados, com o compromisso de
No centro do parque, uma senhora grita, repetidamen- me pagar em determinado dia, o que cumpre com exac-
te, Pi...,Pi...,Pi..., que é o nome do cão que corre desen- tidão. Tiro, então, o porta-moedas, muito devagar e com
freado e não obedece a qualquer chamamento. Não sei gestos, conspiratórios, ponho-lhe a nota na mão, disfarça-
porque deu aquele nome ao cão, talvez, possivelmente, damente estendida. Passa-se isto, todos os meses, há qua-
alguma associação com o 3,1416. se dois anos. Já uma vez me recusei, para a auxiliar, a
Por mim, passa o senhor Adriano, distribuidor de pão cobrar a dívida, mas ficou tão ofendida que nunca mais
e meu conhecido de há mais de trinta anos. Confesso que lhe propus esta solução.
invejo a sua permanente alegria, pois não me recordo de Ainda antes de entrar em casa, sai a correr, do prédio
o ter visto alguma vez sem estar assobiando ou cantaro- ao lado, a Luca, uma cadela preta que, antes de cumpri-
lando baixinho. Tem a chave de quase todos os prédios, mentar a minha, se vem roçar pelas minhas pernas a pedir
onde deixa, matinalmente, o pão pendurado em cada festas.
apartamento. Um dia, assaltaram-lhe a carrinha de trans- E pronto, espero que tenham gostado deste pequeno
porte de pão e roubaram-lhe o molho de chaves. Foi uma passeio com a minha cadela!...
alegria para as lojas de ferragens, já que todos os prédios E da “gente simples cá do meu bairro”!...
quiseram mudar de fechadura. Eu gosto.
Boletim da Associação dos Pupilos do Exército | 51