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CRóNICAs











                                    histórias sem enredo


             ERNÂNI BALSA
             19600300



                 stou aqui apensar em ti e ainda no tóto. o ruído em   te teres entregue a um desânimo atroz, chamando a mor-
             ecoro do café, as conversas emaranhadas, dissonantes   te, perante a incapacidade dos amigos te salvarem.
             e cruzadas que vêm das mesas, confundem o silêncio do   mas para além de todos aqueles que já referi, há ainda
             meu pensamento, nas mesmo assim vou construindo pa-  a rosa maria, que tu também não conheces. talvez o úni-
             lavras e frases, ideias e divagações que depois se hão-de   co  ponto  em  comum  de  tudo  isto  é  que  também  eles
             organizar. penso em ti e no tóto porque foi com vocês que   todos não fazem ideia de quem seja a mikas e no entanto
             tudo começou, mas agora tenho o senhor ferreira na ca-  eu conheço a mikas quase tão bem como te conheço a ti.
             beça. tu não conheces o senhor ferreira. ninguém conhe-  e  ela  conhece-me.  pressente-me  e  observa-me  ao  largo,
             ce o senhor ferreira, senão eu. o senhor ferreira, a maria   meio desconfiada meio provocadora quando aí vou. a gata
             da  graça,  a  quitéria  e  o  andriy  e  outros  que  lá  ficaram   que  é  a  mikas  podias  ser  tu  e  tu  a  mikas.  quase  tudo
             ainda na ucrânia distante e misteriosa que se vai, no en-  podia ser o mesmo.
             tanto,  enraizando  no  léxico  e  nos  hábitos  de  nós  todos,   a  rosa  maria,  por  agora,  só  poderia  ser  ela  mesma.
             mesmo se não os conhecemos para além da imigração. a   ninguém,  senão  eu,  a  conhece  ainda  nesta  história  sem
             ti,  ninguém  te  conhece.  és  a  paula,  minha  amiga  que   enredo.  movimenta-se  pela  sala  repleta  de  mesas  e  de
             emigrou para o além, depois de ter perdido uma mama   gente. serve bebidas e recolhe a louça. troca cinzeiros, que
             em combate desequilibrado contra a doença… lembro-me   este é um daqueles ainda raros antros de fumadores que
             de ti com mama, sem mama ou apenas com a tua voz e   envolvem o ar numa nuvem pérfida de fumo e vícios. e
             a tua escrita que me encantavam… e não me coformo por   esboça  um  sorriso  sereno  quando  se  cruza  com  o  meu
             teres desarecido assim, quase resignadamente, depois de   olhar. a rosa maria perguntou-me sobre o que escrevo e







































             “tríptico”, de rosa maria



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