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EVOCAÇÕEs
Tempo de Memória
FERNANDO S. CRISTO
19550373
melódico, pelo que representava, o início dos sonhos até
a uma próxima madrugada.
Tudo estava enquadrado no nosso dia-a-dia no Pilão.
Esse toque a silêncio era efectuado por um artista militar,
à época, chamado corneteiro. Entre os dois pavilhões
requintava suavemente aquele toque.
Um dia, modernices, destruíram o meu prazer de
ouvir tão delicado som. Sem uma explicação foi montado
em todo o Pilão, um sistema sonoro electrizante, frio,
insípido e doloroso. Sim doloroso!
Deixei de sentir nos meus ouvidos a melodia do tal
artista, que suavizava os meus sonhos.
Fora substituído por um toque a silêncio com timbre
de “cana rachada”, sem sentimento. Fenómenos eléctricos,
transformados numa acústica sem alma.
O tempo foi passando e para lá dos anos no Pilão,
mantive os silêncios, eu e muitos de nós, jovens dos anos
cinquenta/sessenta, que não perderam o sonho de uma
s memórias guardam-se em gavetas. Quando chega- madrugada.
Ado tempo certo abrem-se essas gavetas, uma de cada Um dia, uns poucos, resolveram não adormecer e
vez, para que o tempo não passe tão depressa. muitos outros então, foram acordados. O sonho concreti-
No mesmo espaço físico entre pavilhões da 3.ª e 4.ª zou-se!!
Companhia, duas memórias, duas gavetas. Hoje, jovens dos anos oitenta/noventa provavelmente
1.ª Gaveta – O muar e os sacos. não têm motivos para sonhos, resta-lhes a esperança.
Quinta-feira, terminadas as aulas, regresso à 1.ª Secção. Eu, “jovem idoso”, continuo a recordar aquele “toque
Noite, após jantar, em cima das camas lá estavam os sacos a silêncio”, interpretado com alma, por um artista de quem
axadrezados de azul e cinza, contendo roupa lavada para nunca soube o seu nome.
a semana.
Sexta-feira de manhã, os mesmos sacos, agora conten-
do roupa suja, são devolvidos para a lavandaria.
A recolha entre pavilhões era feita numa carroça,
puxada por uma pachorrenta mula. O muar, conhecia o
caminho e a missão passo a passo, orelhas baixas, recebia
na carroça o embate de sacos e mais sacos com roupa,
lançados das varandas e janelas dos dois pavilhões.
Treino de pontaria à carroça, no entanto esta activida-
de tinha o seu código de honra. Nunca acertar no pacien-
te animal que, devagar, fazia o “seu” trabalho. Nós, delirá-
vamos com a brincadeira. O animal confiava. Por certo,
sentia que estava a lidar com malta fixe!
2.ª Gaveta – O toque “ a silêncio”.
Ao final de um dia escolar, quando já no ripanço da
cama, Salão – 3.ª Companhia, luz apagada, ouvia aquele
toque a “silêncio”. Sempre me agradou pelo seu tom
Boletim da Associação dos Pupilos do Exército | 11