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EVOCAÇÕEs
Ao recriar diversas épocas, o nosso órgão informativo
Recordar deixa entrever, algumas vezes, como era o Pilão antes de o
termos conhecido. Certo é que, nessas leituras (refiro-me
é viver aos boletins antigos), encontramos um reportório de his-
tórias que compuseram uma parte das nossas vidas: os
LICÍNIO GRANADA costumes, as emoções, a disciplina, as brincadeiras, as alegrias
19490154 e as tristezas, tudo o que através das idades ali se obrou,
na definição da pessoa humana. Agora, já no entardecer da
vida, quando os nossos olhos ainda relêem alguns exem-
plares já fartamente manuseados, deparam-se-nos inevita-
arece consensual a opinião de que a palavra escrita velmente diversos nomes dos seus prestigiados colaborado-
Presiste mais poderosamente do que a falada, à inces- res, onde avulta a presença constante e perseverante de
sante travessia dos anos. Conservo, por isso, no meu recan- David Sequerra, actual membro da Redacção. As suas ru-
to de antiguidades, diversos exemplares do Boletim da APE, bricas, que vão desde o apreciado “Apontamento”, passan-
que se publicaram entre os anos de 1968 e 1972. E de do pelas “Notas Rapidíssimas”, “Notas Soltas”, “Fotos à Lupa”
tempos a tempos, nestes vagares pausados da aposentação, e mais, oferecem um relevante interesse, e são fruto duma
folheio-os com aprazimento. Esse lento pulsar de páginas actividade intelectual fecunda e dinâmica, de apurada
reconduz-me, tantas vezes, ao limiar da adolescência, àque- disciplina mental e de uma vontade muito forte a que a
la época remota em que deixamos florescer no espírito sua pena versátil sabe dar expressão. Tenhamos em conta
tantos sonhos figurados no prodígio da imaginação. À nos- que a capacidade de comunicação de David Sequerra, ul-
sa frente estava o futuro, a esperança num mundo bom, trapassou os limites do Boletim, abrangendo outros temas
porque sem esperança, o amanhã torna-se um espaço vazio e outros trabalhos pertinentes às necessidades e aos inte-
e silente, em contraponto com o bem da vida. O pensa- resses da Associação.
mento retorna num ápice a esse tempo em que sobrava Idêntica homenagem é devida a muitos outros pilões,
tempo, que era o de uma sociedade conservadora e de gerações intelectualmente brilhantes, lamentando eu a
delicado sensualismo, em que a mulher simbolizava a ele- impossibilidade de nomear todos aqueles que com o seu
gia do amor, senão também a paz, a beleza, a harmonia, pensamento e acção engrandeceram e valorizaram o Bole-
conservando o porte residual duma mística que inspirou tim e a Associação. A personalidade afectuosa de Augusto
poetas e escritores e produziu obras-primas em todas as Dias que foi um tocante exemplo de cidadania e de arre-
culturas e em todas as artes, nomeadamente na expressão batada dedicação, nunca se apagará da minha lembrança,
plástica. Era esse um contexto social que acreditava na tal como a cordialidade com que sempre me tratou. Outro
supremacia do homem, princípio já então muito contesta- nome que de modo nenhum posso deixar no silêncio é o
do. Por uma disposição da natureza, a mulher é em regra do actual editor, Fernando Pires, personalidade competen-
mais emotiva; chora e ri mais facilmente e também se te e responsável, que assumiu resoluta e generosamente a
atemoriza mais. Há pessoas notáveis que por vezes surpre- tarefa laboriosa de editor. A criatividade de Fernando Pires
endem pelo aparente desacerto mental. Por exemplo, em e o empenho que põe no desempenho desta função, pro-
toda a obra de Eça de Queirós, não há uma personagem jectaram no Boletim uma lufada de ar fresco, tornada
feminina virtuosa ou prendada. Homem e mulher só se gratificante para quantos o lêem com gosto e sentimento
diferenciam biologicamente e são companheiros naturais de nostalgia. Não poupando esforços, o nosso editor alargou
desde os primórdios da humanidade. o horizonte cultural de um periódico portador de tão
Retornando ao Boletim da APE, a recente notícia do apreciado conteúdo e de inegável beleza estética. Entre-
decesso de Luís Baia e de João Pedro Atalaia Padinha, tanto, punge-me a circunstância de com muitos outros
penalizou-me bastante. Recordo bem estes colegas. O Pa- obreiros do Boletim me encontrar menos familiarizado,
dinha estava sempre de bom humor, era uma pessoa afável porque não cheguei a conhecê-los pessoalmente. E não são
e até me deu um seu compêndio de Física, que usei no poucos! Para eles fica o nosso permanente reconhecimento
estudo desta disciplina. O Luís Baia, se não me engano, era e um aceno de imensa saudade. Bem disse Teixeira de
natural de Tomar, esta airosa cidade do Nabão, onde resido Pascoais: “Saudade é o que fica quando tudo morre!”
e que foi sede em Portugal da Ordem dos Templários, a Este texto está escrito na ortografia anterior ao acordo
qual protagonizou uma das maiores tragédias da História. de 1990 e assim serão todos os meus escritos. Talvez me
Foi barbaramente exterminada pela cobiça, pela ganância pareça um pouco longo, porque não sou muito dado à
e pelo absolutismo prepotente do rei de França, Filipe-o- superabundância de palavras. Mas encurtá-lo, seria reter
Belo, mancomunado com a pusilanimidade de Clemente parte daquilo que tenho para exteriorizar. Agradeço a quem
V, um arcebispo francês, homem velho e doente, feito teve a paciência de o ler. Saudações pilónicas e até ao
eleger Papa por aquele rei, a quem ele, o Papa, se vergava. próximo artigo!
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