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CRóNICAs






                                  A questão da Língua:



                                  um estudo de caso


           JACINTO R. DE ALMEIDA
           19520049




                uando já tudo parecia resolvido em relação à ques-
           Qtão do Acordo Ortográfico, o assunto voltou a ser
           levantado e criou-se um espaço de intranquilidade. Escre-
           vo  à  moda  antiga  ou  respeito  o Acordo?  É  claro  que  o
           assunto  sempre  merece  debate,  mas  após  mais  de  vinte
           anos do início das negociações, de o país ter assumido um
           Acordo internacional de compromisso, de estar previsto
           um período de coexistência entre as duas ortografias até
           2015, de o Acordo já estar em vigor em grande parte dos
           órgãos de comunicação e face aos problemas gravíssimos
           que Portugal enfrenta, esta não parece a melhor ocasião
           para controvérsias tão exacerbadas. Estabeleceu-se a con-
           fusão, mais do que isso, diversos tipos de confusões, orto-  tantes cidades do lado inglês do Canal) em pleno Mar da
           gráficas, linguísticas, patrióticas, e li que alguém teria su-  Irlanda. Man tem 572 quilómetros quadrados (a Madeira
           gerido  um  plebiscito  a  respeito  do Acordo  Ortográfico.   tem 740), um parlamento autónomo (o mais antigo par-
           Caí das nuvens. A língua portuguesa não precisa de ser   lamento em funcionamento contínuo no mundo, desde o
           salva, é um idioma rico e forte como uma rocha. Os pro-  ano de 979 quando Portugal ainda não era país e não se
           blemas gravíssimos que Portugal enfrenta? A comunidade   sabia da existência da Madeira), idioma falado actualmen-
           científica tem feito alertas para questões tais como o en-  te por menos de duas mil pessoas, praticado com fluência
           fraquecimento dos laços que fornecem coesão à sociedade   por algumas centenas entre as quais o escritor Christopher
           portuguesa, o problema da sustentabilidade demográfica   Lewin, que vive em Edimburgo, (autor, entre outros do
           do país, da perda de soberania face às negociações inter-  livro  Jough-laanee Aegid  as  Skeealyn  Elley  –  O  elixir  da
           nacionais tendo em vista os nossos problemas económicos   juventude e outras histórias). O manx, originado do celta
           e financeiros no quadro da zona euro, além de outras. E   – um ramo dos idiomas indo-europeus, como o latino ou
           com o caminho que as coisas estão a tomar e o desenvol-  o  germânico  –  ,  era  a  língua  mais  falada  na  ilha  até  ao
           vimento das formas linguísticas nomeadamente no Brasil   século XIX, ou seja até à expansão industrial da Inglater-
           e Angola (países com perspectivas de elevado crescimen-  ra que tirou Man do isolamento. Em 1974, era a língua
           to populacional), entre outros factores, dentro de alguns   materna de um único habitante, o pescador Ned Maddrell.
           séculos como estará (ou não estará) o português falado e   E ele morreu nesse ano. Em 2009, a UNESCO publicou
           escrito neste país à beira mar plantado? Penso.    em  seu  Atlas  of  the  World`s  Languages  in  Danger  que
              No início do ano passado realizou-se, na Grã-Bretanha,   tratava-se de uma língua extinta, mas seis meses depois
           o Festival Internacional de Línguas com 300 estudantes   classificou  o  idioma  como  “criticamente  ameaçado”.  A
           de 137 países da Universidade de Sheffield que incluía no   Bíblia é um dos raros livros escritos em manx e os mane-
           programa aulas introdutórias de curta duração (ao preço   ses sabem que quando da construção da Torre de Babel,
           de duas libras) de 150 línguas, as mais diversas, do manx,   Deus (que, como sabemos, tem poderes ilimitados) apro-
           ao  português,  ao  iorubá,  ao  inglês,  ao  gujaráti.  Max,  o   veitou  para  fazer  com  que  os trabalhadores  no  cimo  (a
           organizador  do  Festival,  é  polaco,  estuda  mandarim  e   torre já estava muito alta na ânsia humana de atingir o
           alemão,  tem  o  propósito  de  não  descriminar  nenhum   céu) passassem a falar um idioma diferente dos que fica-
           idioma e no discurso de abertura destacou uma excelente   vam na parte de baixo da obra. Todos se desentenderam,
           imagem: “Somos uma orquestra em que cada um dá a sua   as obras pararam, e em vez da língua única que se prati-
           contribuição”.                                     cava no Jardim do Éden criou-se uma babel de idiomas.
              Língua manx? Trata-se do idioma gaélico manes, co-  A tal orquestra em que cada um tem que dar a sua con-
           nhecido por manx, da Ilha de Man (Mannin em manês),   tribuição, como afirmou o organizador do Festival Inter-
           no Canal do Norte (Liverpool e Manchester são impor-  nacional de Línguas.



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