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CRóNICAs







             Um português no Oriente...


                 Do pelotão da frente... ao vagão

                             de trás. Como foi possível?                                        CÂNDIDO DE AzEVEDO
                                                                                                       19600364




                á uns anos atrás falavam-nos de Portugal como situa-  exigimos-lhe a submissão, com efeitos de dominação ina-
           Hdo no pelotão da frente da União Europeia. Pouco a   ceitáveis  nos  dias  de  hoje.  E  apenas  o  determinismo  da
           pouco consciencializaram-nos que afinal não seria bem no   história, devido a uma política obsoleta, impediu, em tem-
           da frente mas sim no pelotão central. Hoje damos conta   po, a construção de países ciosos da sua identidade e he-
           que já estamos no último vagão, no da cauda do comboio   rança. Não há que sentar-se no banco dos réus . Mas essas
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           europeu, arriscando-nos a saltar desastradamente para fora   colónias também nos debilitaram , não trazendo palpáveis
           dos carris. De mão estendida recebemos há bem pouco os   mais-valias. Abril livrou-nos das colónias, seguramente de
           apoios necessários para ainda ir havendo salários e nos li-  uma forma algo precipitada...
           vrarmos dos “buracos”.... e face a esses apoios não sei se   Virámo-nos finalmente para a Europa. Já o camoniano
           fará grande sentido continuar-se a falar de que ainda pos-  velho do Restelo nos alertara para os perigos da “partida”
           suimos soberania e independência nacionais. Como alguém   para fora, ou, se quisermos, avisou-nos que a Europa é que
           referiu entramos na fase mais depressiva do “come e cala”   era o nosso destino. Se não saíssemos para sudoeste teríamos
           e  ainda  nos  devemos  considerar  cheios  de  sorte  se  este   que olhar para leste. Será que tudo teria sido então dife-
           aperto apenas durar dois ou três anos conforme este, julgo   rente? Enfim, especulações estéreis... Contudo hoje confir-
           esforçado Governo, nos quer animar. Infelizmente parece   mou-se e ao lado da verde rubro, também se desfralda a
           que muitos ainda não se deram conta da real situação e “na   azul com estrelas douradas. E qual é a situação do país?
           camisa das onze varas” onde nos encontrámos metidos.  Parece estar condenado a qualquer que seja o lado para
              E porque não aprendemos com as lições da nossa pró-  onde nos viramos. É sempre um desastre. Que sina a nos-
           pria  história,  mais  uma  vez  estamos  numa  encruzilhada.   sa. Porém hoje, o nosso nível de endividamento é de tal
           Revisitemo-la.                                     monta,  que  arriscamos  perder  a  indepedência  a  médio
              Há uns séculos atrás, cientes da nossa pequenez virámo-   prazo. Sabemos que muito do que se passa hoje é também
           -nos  para  o  Oriente  e  fomos  uns  senhores  durante  um   culpa  da  nossa  irresponsabilidade. Assim  sendo  é  tempo
           século e meio até que “a disciplina afrouxou, a corrupção   de  sermos  responsáveis  e  isso  passa  também  por  dizer
           foi enervando o braço e o prestígio. (…) com o correr dos   basta àqueles que assim nos tem deixado, melhor, aos que
           anos a Índia ia apodrecendo na devassidão; o cinismo dos   nos têm governado.
                                                                 Como outrora, assistimos nestes últimos 35 anos nova-
           governantes, as revoltas e deserções, os roubos...” ditaram   mente à indisciplina, ao desinteresse, à corrupção, à devas-
           o final, conforme refere Gabriel Saldanha. Perderam-se as   sidão, ao cinismo dos governantes, aos roubos, à falta de
           riquezas para a Europa.                            sentido  de  estado,...  e  a  isso  se  deve,  em  boa  verdade,  a
              Virámo-nos depois para o Oeste, para o ouro do Brasil,
           e mau foi o investimento: não se formou nem se educou   situação em que nos encontramos agora. Sem independên-
                                                              cia e sem soberania, sem pão para a boca e sem quaisquer
           o  povo.  Gastaram-se  toneladas  e  toneladas  de  ouro  em   expectativas para o futuro. E não se julga esta gente? Por-
           pedras: desbarataram-no em igrejas, capelinhas, doações aos   quê? Verifica-se amiúde que sentido de estado, de estadis-
           padres,  em  missas  de  encomenda  e  no  faustoso  Palácio-   ta, muito poucos dos nossos governantes e parlamentares
           -convento  de  Mafra.  Como  Voltaire  referiu  “D.  João  V   têm tido. É falsificação, é corrupção, é branqueamento, é
           quando  queria  uma  festa,  ordenava  um  desfile  religioso.   enriquecimento ilícito, etc. A maioria está em serviço pró-
           Quando queria uma construção nova, erigia um convento...”,   prio, dos partidos, outros dizem agora da maçonaria, dos
           mantendo  ainda  como  um  casta  privilegiada  um  corpo   amigos, dos clientes, etc. Esta é a realidade, por isso nenhum
           sacerdotal de 200 mil integrantes num país que não tinha   é julgado nem condenado.
           uma população superior a três milhões de habitantes. De-  Por mim digo já. BASTA!
           pois vendemo-nos aos ingleses.
              Virámo-nos depois para o Sul, para África. Emigrámos.   (1)   Os árabes, antes dos europeus haviam colonizado grande parte dos povos
           Trabalhámos. Construimos países. Colonizámos. Colonizá-  de  África.  Impérios  africanos  como  o  de  Mali,  Songai,  Kanem-Borum,
           mos sim. É certo que fizemos recuar terríveis flagelos que   Axum, Congo, etc. tinham colonizado antes dos árabes. O islão converte-
                                                                ra mais de metada dos povos da Ásia e alguns de África a golpes de cimi-
           haviam precedido a irrupção portuguesa: a escassez, a lepra,   tarra. A Rússia e a China ainda hoje colonizam outros povos.
                                                              (2)   Os países que conheceram os mais surpreendentes milagres económicos a
           a malária, a mortalidade infantil, a mutilação das mulheres,   partir de 1945 – Alemanha, Itália, Japão – não tinham propriamente co-
           sem falar já do canibalismo... É certo que enquanto colo-  lónias.  Os  que  perderam  impérios,  com  os  quais  viviam  em  simbiose  –
           nizador  não  levou  a  miséria  ao  colonizado.  De  positivo   Holanda, França, Bélgica – conheceram um surto rápido, precisamente a
                                                                partir desse momento. Os países mais ricos da Europa – Suiça e Suécia –
           trouxemos-lhe  alguma  qualidade  de  vida.  De  negativo   nunca tiveram colónias.


                                                                             Boletim da Associação dos Pupilos do Exército  |  29
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