Page 14 - Boletim APE_225
P. 14
EVOCAÇÕEs
Tempo de Memória
FERNANDO S. CRISTO
19550373
ukea! Um livro agradável, histórias africanas vividas de epidémico tivesse
Me sofridas, relatadas pelo «nosso» “Pilão” David Se- obrigado a sua popu-
querra. Diz ele, «África minha»… lação a fugir, deixan-
Muitos de nós “Pilões”, civis ou militares, passaram do os pertences da
por essas terras, algumas, outrora portuguesas. sua anterior presença
1
Guiné-Bissau. Após acordos entre Portugal e o PAIGC , por todo o lado –
em Argel, 25 de Agosto de 1974, é reconhecida a inde- uma imagem degra-
pendência em 10 de Setembro de 1974, data limite para dante, triste e assus-
a saída total dos militares portugueses. tadora.
Como Militar da Força Aérea, fui nomeado (escolhi- Ainda hoje, só de
do…?) para uma missão de cooperação (à civil) naquele recordar, arrepia!
recém-formado país africano. Tive como mis-
Cheguei a Bissau em 14 de Outubro de 1974. Por esta são/ trabalho, garan-
data estou certo, que eu e mais meia dúzia de militares tir as comunicações da torre de controlo do aeropor-
da FAP , fomos os pioneiros da cooperação técnico-militar to, operacionalidade dos sistemas rádio/ajudas – nave-
2
com os novos países africanos de expressão portuguesa gação, apoio técnico aos controladores de tráfego aéreo
– permitam-me que repita a data de chegada a Bissau, 14 (três únicos existentes). O restante pessoal técnico elec-
de Outubro de 1974. tricista de centrais (um), mecânicos (dois), todos da
Nesta redescoberta, lá estava um Pilão, «malta danada» FAP, mantivemos o aeroporto aberto ao tráfego aéreo –
que sempre aparece aonde menos se espera. trabalhava-se muitas vezes de noite, pese embora o trá-
Por razões operacionais/ segurança, ficámos aloja- fego aéreo fosse essencialmente diurno – e não podia
dos nas instalações da antiga Base Aérea (FAP). Tudo tinha falhar.
sido abandonado, não se via viva alma, como se algo Ninguém andava sozinho nestas áreas tão despovoa-
das, incluindo o «matoso», aonde se localizavam alguns
equipamentos electrónicos de ajudas – navegação. O
PAIGC distribui-nos armas, tipo caçadeiras, para pelo
menos, nos defendermos de alguns animais cuja mordi-
dela podia ser fatal.
Entre muita «coisa» que a FAP deixou, dois helicóp-
teros Alouette – III. Voaram durante algum tempo – esse
também foi trabalho nosso, só não voaram mais porque
em princípios de Dezembro, os pilotos «eclipsaram-se».
O aeroporto, central eléctrica e outros serviços técnicos
funcionaram sempre. Não houve «eclipse» técnico…
Estivemos muito tempo sós, não havia embaixada,
nem Embaixador. Verdade se diga, daquela gentes da
Guiné nunca senti hostilidade, mas sim curiosidade e
aproximação.
Havia tempo livre, não era só trabalho – para preen-
cher esses tempos, alegremente arranjávamos mais traba-
lho. Por gosto, diga-se em boa verdade, e que julgo ser
um facto como histórico para a Guiné-Bissau e até para
Salvo-conduto do PAIGC passado pelas autoridades da Guiné-
Bissau, 24 de Outubro de 1974. a FAP – estou certo que as autoridades militares e civis
12 | Boletim da Associação dos Pupilos do Exército