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EVOCAÇÕEs











                                  O tempo passou


           JOSÉ LOPES
           19620124




                o Boletim N.º 124, de Julho a Setembro de 1987,   Assim, o empedrado branco da parada ficava semeado
           Nfoi publicado um modesto artigo da minha autoria,   de migalhas. Estas constituíam o seu objectivo.
           que seguidamente transcrevo.                          Após o toque da campainha, avisador do início de uma
                                                              nova aula, a parada ficava deserta
              O PELOTÃO DE ASSALTO                               Nas  hostes  pardalescas  notavam-se,  então,  movimentos
                                                              nervosos de ajuntamento, não quebrando, ainda, o silêncio.
              Este, foi o título de uma composição que redigi no 2.°   Com um invulgar espírito de corpo esperavam, disciplinar-
           ano do Curso Geral de Indústria. Estava-se no ano escolar   mente, mais uns minutos.
           de 1965/1966.                                         Então, bruscamente, ouvia-se um misto de pio e de chio.
              O  professor  da  disciplina  de  Português,  Dr.  Salvador   Acto contínuo, um pardal lançava-se da periferia do telhado
           Martins, bom mestre e excelente pessoa, havia sugerido à   e aterrava no meio da parada. Saltitava, por uns momentos,
           turma, um tema livre.                              virando-se em todas as direcções. Escolhia uma migalha bem
              Sentado na carteira, pensei uns instantes e ocorreu-me,   grande e transportava-a no bico, de volta ao telhado. Estava
           então, a descrição de um tema do quotidiano, o qual viria   feito o primeiro reconhecimento.
           a merecer elogios e uma boa classificação.            Novamente  se  ouvia  um  pio,  e  outro  pardal  planava
              Se bem me lembro, embora com superiores qualidades,   velozmente até ao solo. Repetia o procedimento do anterior e
           linguística e gramatical, rezava mais ou menos, assim:  regressava ao ajuntamento. Estava feito o segundo reconhe-
              A  meio  da  manhã  e  a  meio  da  tarde,  formava-se  o   cimento.
           Batalhão de Alunos na parada da 2.ª Secção, para o ha-  Tinha chegado o momento ansiosamente esperado. Qua-
           bitual lanche.                                     se em simultâneo com um outro pio muito ténue, como que
              Naquele tempo, o lanche da manhã consistia num bolo   em consequência de uma ordem de assalto, o pelotão de umas
           (normalmente, «caracol», «queque», «arroz» ou «folhado» de   largas dezenas de pardais, levantava voo em bloco e espa-
           carne). Mais tarde, viria a ser substituído por um iogurte.   lhava-se  pela  parada  fazendo,  apressadamente,  o  trabalho
           O lanche da tarde consistia numa «bucha» (carcaça com   que competiria ao responsável pela sua limpeza. Depois, ia
           manteiga, marmelada ou queijo).                    dispersando, gradualmente, com os seus elementos, agora mais
              Obviamente que, consoante o apetite e o engenho, alguns   fartos e mais pesados, recolhendo aos respectivos destinos.
           de  nós  não  se  quedavam  por  um  único  lanche,  podendo   Todos  os  dias,  por  duas  vezes  e  às  mesmas  horas,  este
           conseguir dois (e, em casos excepcionais, três ou mais).  pacífico ataque se repetia, com idêntica eficiência.
              Formados  em  duas  filas,  distanciadas  de  um  espaço   Resta também acrescentar que, se durante o bélico repas-
           suficiente,  voltados  uns  para  os  outros,  aguardávamos  a   to,  algum  transeunte  atravessasse  a  parada,  os  comensais
           ordem  para  os  empregados  passarem  no  meio,  portadores   iam-se progressivamente desviando para distâncias razoáveis,
           de grandes cestos de vime, cheios dos desejados «acepipes»,   durante a sua passagem, abrindo um corredor que, depois,
           que íamos retirando à sua passagem.                era novamente preenchido.
              Delimitando a parada, do lado da Estrada de Benfica,
           erguiam-se (e erguem-se) uns edifícios, cujos telhados serviam   Na tarde fria do dia 10 de Março de 2010, dirigi-me
           de  base a um bem  nosso conhecido «pelotão»: os  pardais.   à Associação para pagar a quota anual. Lembrei-me, então,
           Estes, com a precisão de um relógio de boa marca, sempre   de dar depois um passeio a pé para reviver os tempos de
           à mesma hora (uns dez minutos antes da distribuição dos   permanência no “Pilão”.
           lanches),  confluíam  de  várias  direcções.  Imóveis  uns,  sal-  Dirigi-me à Estrada de Benfica, caminhei pelos passeios
           tando  outros,  aguardavam  a  sua  vez,  ordeira,  paciente  e   e cheguei ao nº 374: a Segunda Secção. Transpus a porta
           silenciosamente. Aparentemente desinteressados (talvez para,   e obtive autorização para ver a parada. Os edifícios que
           instintivamente, nos ludibriarem), observavam atentamente   a rodeavam e o empedrado branco estavam tal e qual como
           a distribuição, a recolha e a ingestão dos bolos ou das «bu-  no meu tempo! O que me surpreendeu.
           chas».



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