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EVOCAÇÕEs











                                   Fardas e barretinas


                                                                                                 ANA PAULA OLIVEIRA
                                                                                                       19781097




                uando em 1978 entrei para o “Pilão”, o que mais me   to a usar a barretina na lapela, pois nunca tinham sequer
           Qespantou foi o facto de a “farda” interna das alunas   usado barretina quando alunas! De facto a nossa farda de
           ser uma simples bata azul (por sinal semelhante à bata que   saída era uma saia beje e um blazer azul-escuro e, claro,
           os alunos usavam nas oficinas) . Pouco me importei, pois   sem a barretina. Também os alunos externos usavam uma
           esse era apenas um pormenor sem importância, uma vez   farda semelhante (calça beije e blazer azul escuro) e por
           que o meu objectivo era aprender e acabar com êxito o   isso  a  barretina  também  não  era  para  eles.  Note-se  que
           Curso Superior. No entanto era um pouco constrangedor   nem todos os pilões pensavam da mesma maneira e o uso
           ouvir muitas vezes chamarem-nos nomes como emprega-  da barretina era o mais comum entre todos, quer pilões
           das da limpeza, mas como o povo costuma dizer “os cães   ou piloas. Mais uma vez quando em 2010 todos os alunos
           ladram  e  a  caravana  passa”,  e  não  foram  estas  e  muitas   e  alunas  vestiram  a  farda  azul  com  barrete  e  barretina,
           outras “bocas” que fizeram com que eu e a maior parte das   muito  sinceramente  fiquei  com  uma  dor  de  cotovelos
           miúdas  desmoralizassem  ou  ficassem  incomodadas  com   daquelas....  Bem  que  gostava  de  voltar  atrás  para  poder
           tais nomes menos simpáticos. Por isso quando, já profes-  usar aquela farda, que durante anos foi exclusiva de pilões
           sora do Instituto, vi, em meados de noventa, as meninas   que orgulhosamente a envergaram e cuidaram excrupulo-
           com  as  calças  de  cotim  e  a  camisa  verde “tropa”  fiquei   samente do penacho que do alto das suas cabeças se erguia
           muito satisfeita e, diga-se de passagem, roídinha de inveja   e fazia a diferença! Hoje também as alunas a dignificam e
           por esta mudança não ter acontecido vinte anos antes...   têm  orgulho  na  sua  farda  e  cuidam  da  barretina  com  o
              Anos mais tarde quando comecei a lidar de mais perto   mesmo zelo e brio que tantos pilões tiveram quando alu-
           com os ex-alunos e até em conversas com alguns alunos,   nos (e até ex-alunos) . A barretina é sem dúvida um ele-
           verifiquei que havia alguma discussão sobre o tipo de pin   mento unificador de todos os pilões, sejam eles novos ou
           a adoptar pelos antigos alunos do pilão, se seria mais pró-  velhos, alunos ou ex-alunos, do sexo femininio ou mascu-
           prio a barretina ou o simbolo da APE. Para mim não havia   lino. As mudanças acontecem e devemos encará-las como
           grande dúvida uma vez que sempre achei que cada um   sendo uma evolução positiva na maneira de estar e pensar.
           deveria usar o pin com o qual se idenficava melhor, inde-  O Instituto formou varias gerações, e passou por muitas
           pendentemente da barretina ser um elemento mais conhe-  mudanças nem sempre do agrado de todos, mas o que é
           cido e até mais querido da comunidade pilónica. Ora aí   certo é que todos os “pilões” mantêm viva a chama e fazem
           surgiu outra polémica: as antigas alunas não tinham direi-  jus ao lema “Querer é Poder”.





              Imaginei  os  pardais  nos  telhados  que  davam  para  a   prémios e medalhas recebidos do Presidente da Repúbli-
           Estrada de Benfica, as migalhas no chão e o ataque coor-  ca e o último dia de 22 de Julho de 1972.
           denado. Comparei mentalmente a minha figura jovem de   Contornei a Primeira Secção, passei ao lado da igreja
           então com a figura idosa agora presente. Quase 48 anos   de S. Domingos e parei frente aos portões do Palácio dos
           depois da entrada no Instituto e 44 anos depois da com-  Marqueses de Fronteira (“o Palácio da Marquesa”, no meu
           posição redigida para a disciplina de Português.   tempo).
              Sempre  soube  que  o  tempo  passa  mas,  até  porque   Na paragem de autocarros que o serve, entrei num para
           recentemente reformado, foi naqueles instantes que tomei   regressar  a  casa,  e  no  trajecto  levou-me  ao  interior  do
           consciência de que o tempo passou.                 Bairro do Calhau, que nunca mais visitara.
              Em seguida repeti o percurso que, tantas vezes a mar-  Cheguei a casa já noite, ainda emocionado e saudoso,
           char,  me  encaminhou  de  volta  à  Primeira  Secção,  na   mas bem-disposto. Repentinamente, após atravessar incó-
           Travessa de S. Domingos de Benfica.                lume  o  surto  de  gripe  A,  uma  violenta  e  inexplicável
              Em frente aos edifícios, revivi momentos importantes,   gripe eclodiu tão depressa que me deixou assustado. Mas,
           como o difícil primeiro dia de 1 de Outubro de 1962, os   tal como o tempo, também a gripe passou…


                                                                             Boletim da Associação dos Pupilos do Exército  |  11
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