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cultura e coNhecimeNto




           DAViD PAScoAL roSADo
           19850253


            Anticlericalismo, idiossincrasias republicanas e


                        Assistência religiosa em campanha:


           Das crónicas de um capelão militar na Flandres ao cristo das Trincheiras



                    “Fui na bicicleta do tenente Costa dizer missa ao 12. Assistiram as companhias formadas, dizendo eu
                    missa debaixo de um arvoredo. Encontrei o capitão Damião quando estava a preparar o altar. Almocei
                    com os oficiais do 12. Ajudou-me à missa o padre João, alferes, que é mole como as papas. À tarde
                    houve na igreja de Erminghen a consagração do Sagrado Coração de Jesus, fazendo-se a procissão por
                    dentro da igreja. Os alemães bombardearam uma bateria inglesa a leste da minha casa. (...)”

                    Cónego José Ferreira de Lacerda, em 24-06-1917 (João Tiago Sousa apud Sampaio, 2010, p. 57).




             osé  Ferreira  de  Lacerda  foi  cónego,  militar,  jornalista,   tinha nascido poucos anos antes desse conflito mundial e
           Jbenemérito da cidade de Leiria e o fundador – no dia   que  nele  procurava,  agora,  o  reconhecimento  amplo  do
           7 de Outubro de 1914 – de O Mensageiro, o mais antigo   regime político vigente em Portugal.
           semanário  do  distrito  de  Leiria.  Foi  também  Reitor  da   Recordemos que imersa num inefável anticlericalismo
           freguesia  dos  Milagres,  onde  foi  pároco  ao  longo  de  62   ideológico  inicial,  a  República,  pouco  madura  e  afoita
           anos,  exercendo  as  funções  de  sacerdote  com  elevada   quanto baste, render-se-ia, compassadamente, à inevitável
           devoção. Amigo do povo, “o meu povo soberano” como ele   tradição religiosa do país. A Grande Guerra, as Aparições
           lhe  chamava,  preocupou-se  em  dar  conforto  aos  menos   de Fátima e mais tarde Salazar e seu Estado Novo, coloca-
           afortunados  (especialmente  no  Inverno)  e  promoveu  a   riam definitivamente um ponto de ordem nesta matéria.
           Sopa dos Pobres, que aquecia o estômago dos mais despro-  O  irmão  Platão  (nome  maçónico  de  Afonso  Costa,  o
           tegidos (pelo menos uma vez por semana, aos domingos)   influente Ministro da Justiça e Cultos aquando do Gover-
           e  que  era  confeccionada  pelos  paroquianos  economica-  no Provisório da República) seria cilindrado pelos aconte-
           mente mais favorecidos. Empenhou-se determinantemen-  cimentos  e  inevitavelmente  derrotado  em  toda  a  linha.
           te pela restauração da diocese de Leiria e foi o autor de   Como sempre, nada do que aconteceu naquela Primeira
           um dos mais importantes inquéritos aos videntes de Fáti-  República, aconteceu por mero acaso. A ilusão republica-
           ma  em  1917.  As  palavras  em
           epígrafe ao presente artigo são da
           sua autoria, escritas aquando do
           seu desempenho de funções en-
           quanto Capelão Militar junto do
           Corpo Expedicionário Português
           (CEP) na Flandres. Ali confortou
           militares humildes, simples, mas
           valentes e corajosos, que vivendo
           o quotidiano difícil e extenuante
           de  uma  guerra  de  trincheiras,
           tudo  deram  –  inclusivamente  a
           vida  –  por  uma  República  que
           não  raras  vezes  os  esqueceu,
           abandonando-os  à  sua  própria
           sorte, durante e depois da Gran-
           de Guerra. Uma República que   Ilustrações  1  e  2  –  José  Ferreira  de  Lacerda,  aquando  do  seu  desempenho  de  funções  como  Capelão
                                         Militar no CEP e num busto em honra da sua memória.

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