Page 17 - Boletim APE_222
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demandar com arrogância, humilhar sem pejo, criticar sem
          réplica, mas sorrir, humildemente cortês e obediente, pe-
          rante o seu superior hierárquico.
            Anda, agora, de olhar mortiço e triste, atento a uma
          linha imaginária que segue num passinho curto e rastejan-
          te, com o apoio de grossa bengala, em consequência do
          enfarte que o prostrou no mês anterior.
            E cá surge a pergunta. Teria valido a pena?
            Neste congeminar, já mais nostálgico do que abúlico,
          reparo naquele outro que fixa, melancólica e apaticamen-
          te, a pequena colher com que tenta mexer o café salpi-
          cando a mesa, e que, noutra época, se não coibia de calu-
          niar  sem  escrúpulo,  insinuar  com  premeditação,  mentir
          sem  receio,  rastejar  sem  vergonha,  para  conseguir  uma
          colocação  mais  confortável  ou  uma  situação  melhor  re-
          munerada.
            Toda aquela tremura resulta da Parkinson que dele se
          apoderou.
            E, novamente, teria valido a pena?
            Estupefacto,  encaro  o  brilhante  estratega  de  tempos
          idos, soberbo na sua superioridade, genial nas suas concep-
          ções, que impunha com gáudio sem permissão de alterna-
          tivas, tudo construído em momentos intelectuais no seu
          gabinete de ar condicionado, tentar passar desapercebido
          e  sorrateiro  na  busca,  infrutífera,  dum  anonimato  cons-
          trangedor, para que se não note a fralda que o protege da
          incontinência vergonhosa.
            Volta-se a perguntar. Teria valido a pena?
            E  o  medíocre  com  ascensão  profissional  apoiada  nos
          laços familiares ou filiações partidárias? E o político clari-
          vidente e de desenfreada verborreia, fazendo da mentira
          incontestáveis  verdades?  E  o  pseudo-intelectual  que  se
          torna conhecido pela propaganda partidária? E o revolu-
          cionário de ocasião, situacionista de outrora, colaboracio-
          nista de sempre que, para sobreviver ao caos instalado e
          dele tirar dividendos, atacou, quase sempre, anonimamen-
          te, insinuou com maldade e afastou amigos sem contem-
          plações ou remorsos? E aquele que... e ainda o... e....e...
            Mais uma vez, a pergunta existe. Teria valido a pena?
            A pergunta, numa forma meramente poética, poderia
          ter  a  resposta  "tudo  vale  a  pena..."  mas  a  alma  destes
          homens foi tão minúscula, mesquinha, em suma tão pe-
          quena  e  inútil  que,  por  mais  que  queiram,  não  podem
          agora socorrer-se da frase do poeta.
            Então, já se pode responder. Teria valido a pena?
            Decididamente, não.
            Neste momento, o leitor que conseguiu chegar até este
          ponto, deve começar a interrogar-se sobre a minha sani-
          dade mental, ou então, a murmurar, em surdina, não vá
          algum indiscreto escutar o comentário: – mas que chato!
            Tenho plena consciência de que o sou, mas o facto é
          relevado porque, hoje, estou triste, melancólico, miserável,
          apático, abúlico, neura!


                                                                                        Boletim da associação dos PuPilos do exército  15
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