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cróNicas



            ANTóNio BArroSo
            19460120

                                                               pequeno, como se fizéssemos parte duma incomensurável
                                                               vida  que  não  ousamos  imaginar.  Talvez  o  universo  do
            estado de espírito                                 nosso conhecimento não seja mais que o equivalente a um

                                                               glóbulo correndo no labiríntico conjunto da seiva dum ser
                                                               diferente. Talvez  a  nossa  mente  tenha  estiolado  na  con-
                                                               templação do umbigo e os filamentos cerebrais se recusem
                 oje, estou triste, profundamente triste       a fazer mais horas extraordinárias.
            HSinto-me miserável, apático, abúlico, neurasténico.  O homem nasce para morrer. É uma lei imutável.
               Não sei se é do dia cinzento que me agonia, da contí-  Como diz o fado, é o seu destino.
            nua e monótona chuva que persiste em bater na janela do   Dito desta maneira, simples e objectiva, parece apenas
            meu escritório, ou da penumbra em que, desinteressada-  um fim, mas acaba também por ser uma consequência. A
            mente, me deixo envolver. Fico quedo, sentado à secretá-  sua existência, como a de todos os outros seres vivos, se-
            ria, e apenas me debruço sobre o computador para alinha-  gundo a lógica de Darwin, limita-se a promover a conti-
            var alguns pensamentos, por demais polémicos.      nuidade  da  espécie.  Assim,  não  forma  sentido  que  lhe
               Não sei da razão, nem procuro sabê-la. Que importa?   tenha sido permitido desenvolver o que, pomposamente,
               No entanto, parece que atingi o zero absoluto. A palavra   se  apelida  de  inteligência  (só  explicada  pela  teoria  da
            não surge com a mesma fluidez, a frase não se forma com   evolução das espécies, do mesmo cientista), mas que não
            o desejo íntimo, a ideia não ocorre como um prazer sempre   domina  a  razão  com  lógica,  não  aceita  princípios,  sem
            renovado e o verso enclausurou-se num passado longínquo.   hipocrisia,  não  respeita  vontades  construídas.  É  uma  lei
            O monitor branco, apenas com duas ou três palavras escri-  sim, uma lei de cumprimento rígido em que não há lugar
            tas pela impaciência, reflecte a total ausência de vontade,   para amnistias ou redução de pena e onde, afinal, a inte-
            o conformismo da indolência, o vazio, o tédio, o nada.  ligência é um luxo para ocupar os momentos de ócio. E o
               É verdade. Estou triste, e não sei porquê.      homo sapiens, todo ufano do seu brinquedo, pensa ser o
               Dou, então, por mim, a pensar no grande mistério da   dono da lógica e lança-se ao assalto da fortaleza seguinte.
            vida, como se me dominasse uma crise existencial, a filo-  É um guerreiro sem contendor.
            sofar comigo próprio, como se fosse um interlocutor váli-  Poderia ainda acrescentar, batendo com a mão no pei-
            do,  mas  mudo  e  extático,  enquanto  os  olhos  fechados   to, que fomos feitos à imagem e semelhança de Deus, mas
            contemplam horizontes sem fim, onde o simbolismo do   não creio que Ele seja assim tão feio, tão mísero, tão mau
            azul celeste dá lugar ao tom, carregado e plúmbeo, com   e tão mesquinho. Aceito, no entanto, a sua existência sem
            que o dia me acordou.                              qualquer explicação, por convicção íntima e como dogma
               Apenas tento ocupar momentos de quietude amargu-  que  não  pretendo analisar,  assim como  na existência  da
            rada, na busca vã e inglória de encontrar as verdadeiras   alma, como reflexo de algo mais profundo.
            soluções duma equação, cuja incógnita jamais será desco-  Onde se conjuga, então, a teologia com a ciência?
            berta, por mais cálculos que se tentem, manter os olhos   Em que ponto se cruzam as suas coordenadas?
            cerrados na obscuridade que me rodeia, sentir todo o peso   Em que cadinho se amalgamam as suas conclusões?
            do  mundo  sobre  os  meus  ombros  curvados  e  deixar  a   Contraditório? Confirma-se, hoje estou mesmo neura!
            mente rolar por temas algo complexos.                 Este estado de espírito traz-me à memória cenas e si-
               E  as  perguntas  surgem,  subitamente,  galopando  em   tuações  passadas,  como  um  caleidoscópio  que  muda,
            desenfreada, umas, vindo sub-reptícias, outras, infiltrando-   constantemente, de forma, ou um filme mudo que se re-
            -se, com malícia, ainda outras, entrelaçando-se em premis-  pete.  Sem  réplica  que  contrarie  as  premissas  que  vou
            sas que a razão não consegue destrinçar e que a lógica não   construindo,  congeminam-se  perguntas,  ou  na  forma  de
            domina. É como uma partida que se prega a alguém, sem   dúvida permanente, ou implicando já uma certeza interior,
            a vantagem de ficarmos de fora para nos rirmos do resul-  ou  ainda  num  modo  interrogativo,  quase  desnecessário,
            tado.                                              por tão evidente a resposta.
               Imagino-me uma muito ínfima fracção dum quark onde   Depois, formulam-se algumas perguntas. E a resposta
            o numerador é a unidade, sendo o denominador um nú-  surge com novas perguntas.
            mero  quase  infinito  elevado  a  uma  alta  potência,  num   Teria valido a pena?
            mundo em que a inteligência, por ausência de comparações   Revejo aquele impetuoso, indómito e destemido chefe
            válidas, se recusa a aceitar o infinitamente grande e não   que,  nos  seus  tempos  de  poder  e  glória,  era  exímio  em
            compreende  que  apenas  possamos  ser  o  infinitamente   lançar  ordens  inquestionáveis,  punir  com  severidade,



       14  Boletim da associação dos PuPilos do exército
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