Page 22 - Boletim APE_222
P. 22
cróNicas
erNANi BALSA
19600300
falar de política… sem falar de política…
omo falar de política sem falar de política!?... pensei da produção de bens, mas que passou de instrumento a
Cnesta equação aqui há dias, ao lembrar-me que tinha objectivo desenfreado, chegando-se ao cúmulo de se
que escrever este texto. este ou outro. mas, a singularida- produzir riqueza apenas com a sua circulação, sem que
de da questão, o desafio e o próprio exercício criativo, qualquer processo produtivo, transformador ou criativo
levou-me a agarrar a ideia… tivesse lugar na sua génese. passou-se a gerar dinheiro do
na realidade, estou ciente, que num contexto como o dinheiro, e claro abstraindo-nos do puro acto de fabrico
que se aplica a esta minha colaboração, a política deverá material das notas e moedas, esse sim, o único acto ver-
estar afastada dos temas a abordar. mas, no entanto, o que dadeiramente industrial a ele associado, tudo o resto
é a política (?), pensei… “o termo política é derivado do passou a reger-se pela invenção de processos, mais ou
grego antigo πολιτεία (politeía), que indicava todos os menos fraudulentos ou negativamente engenhosos de
procedimentos relativos à pólis, ou cidade-Estado. por ex- fazer o dinheiro crescer, sem que nada de realmente
tensão, poderia significar tanto cidade-Estado, quanto so- produtivo contribuísse para tal, com a agravante de que,
ciedade, comunidade, colectividade e outras definições por tal processo, só quem tivesse acesso a quantias con-
referentes à vida urbana”. é portanto uma coisa que tem sideráveis de dinheiro o conseguia fazer multiplicar
a ver com todos os cidadãos e não tem, obrigatoriamen- quase infinitamente… quem tivesse o apenas indispensá-
te, que implicar ideologia ou partidos. ou melhor ainda, vel para se sustentar, ou pior ainda, aqueles que nem isso
não é imprescindível que se abordem, defendam ou ata- tinham, ficaram reféns dos créditos ou, na pior das hipó-
quem as opções de cada um, sobre a melhor maneira de teses, da miséria absoluta…
a exercer. é um exercício difícil, isso é, mas possível de dir-me-ão, ah! isso é política e com a agravante de
levar a bom termo, se houver cuidado e respeito por conter em si opções ideológicas… eu diria, sim é política,
todos… mas o seu conteúdo é meramente tecnocrático e finan-
os dias que hoje atravessamos são indissociáveis de ceiro, usando variáveis e parâmetros adequados à mani-
preocupações ligadas a este tema, bem assim como à pulação da realidade das actividades económicas, tornan-
economia mundial e mais agrestemente, ao dinheiro, o do-as em realidades virtuais à medida da voraz ganância
seu significado e a utilização que lhe tem sido dada, no- de uns quantos prestidigitadores da alta finança, sem
meadamente depois de mudanças importantes no equilí- escrúpulos, princípios ou valores. ideologia é coisa que
brio das nações, que todos nós reconhecemos terem não existe a esse nível. apenas existem desígnios e uma
acontecido com a queda do bloco de leste e a consequen- perigosa articulação e manipulação de novas regras, cria-
te derrocada dum conceito científico de sociedade ideal, das em benefício duma infinita sede de lucros.
mas também com a inevitável anarquia que tomou posse na verdade as actividades industriais, fabris, as manu-
dum capitalismo, até aí contido e ainda com algumas facturas, a prospecção e recolha de bens da natureza e
preocupações deontológicas e sociais, que de repente mesmo as complementares e paralelas actividades comer-
elegeu aquela figura, hoje quase mítica, dos “mercados”, ciais, deixaram de ser um meio e passaram apenas a ser
como uma desculpa, quase obrigação, de tudo na vida das instrumentos menores que apenas contribuem para uma
pessoas, na ordem mundial e até no mais íntimo de cada inimaginável circulação do dinheiro, sem outro fim que
um de nós, passar a ser regulado pela voraz ganância de não seja inventar mais dinheiro para os mesmos benefi-
uns, apoiando-se na cada vez maior dependência dum ciários. os países, as pessoas, as famílias, endividam-se
enorme, dum imenso mar de gente, que passou a ser porque para tudo precisam de dinheiro e os donos do
escravo dessa quase religião duma livre iniciativa selvagem dinheiro acodem às suas dificuldades para receberem os
e sem pudor. créditos que serviram para lhes pagar outros créditos, num
o dinheiro, passou a ser uma espécie de símbolo dum turbilhão de endividamentos que mantêm na escravidão
qualquer eldorado, que já não tinha o objectivo de servir milhões de pessoas e países que antes eram nações inde-
ao jogo equilibrado das transacções, assentes no primado pendentes e prósperas, tendo-se agora tornado em reféns
20 Boletim da associação dos PuPilos do exército