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cróNicas



          câNDiDo De AzeVeDo
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                                                         Portugueses pelo oriente


                                  De um pântano pestilento, à doçura de maria guiomar !

                                                  O que mais preocupa é o silêncio dos bons!




               uitos são os que têm procurado caracterizar Portugal.   E a jovem Maria de Guiomar? Agora esbelta e cândida
          ME por aquilo que vamos vendo, lendo ou ouvindo    mulherzinha, é alvo do jogo de interesses dos missionários,
          todos  os  dias,  parece  ser  a  realidade.  Damos  conta  que   que lhe expressam os seus desejos de não a verem soltei-
          acima dos interesses patrióticos outros interesses mandam   ra ou freira, mas sim casada com o influente Constantine,
          hoje, sejam escondidos por trás das sempre “conveniências   entretanto por interesse convertido a cristão. Dá-se o ca-
          do momento”, sejam por cinismo, interesses promíscuos   samento e em Lopburi é construído um palácio com re-
          ou negócios duvidosos…                             quinte e opulência para habitação do casal. Aqui, Maria
            Esperançado  que  o  ambiente  melhore,  deixemos  a   Guiomar, então com 22 anos, passa um período calmo e
          pestilência que inunda os ares do dia-a-dia do português,   feliz  da  sua  vida,  sendo  em  pouco  tempo  mãe  de  duas
          para falarmos de coisas mais doces, por exemplo da doçu-  crianças: Jorge e Constantino.
          ra de Maria Guiomar, inocente mulher luso-nipónica que   Entretanto Phaulkon, ambicioso e agora também dita-
          subsistiu num mundo governado por homens corruptos e   dor, deixa-se manipular pelos interesses franceses, caindo
          de ambições desmedidas. Eu conto.                  em desgraça junto do novo rei siamês, Phetracha. Coloca-
            Maria de Guiomar era neta de Inês Martinz, uma das   do atrás das grades, a 5 de Junho de 1688, é condenado à
          primeiras  japonesas  baptizadas  por  Francisco  Xavier,  que   decapitação por machado. Impedida de se refugiar junto
          juntamente  com  o  marido,  fugindo  às  perseguições  aos   dos franceses, Maria de Guiomar vê-se condenada à escra-
          cristãos movidas pelo imperador Toyotomi Hideyoshi, gover-   vidão  perpétua  nas  cozinhas  do  rei  Phetracha,  vindo  a
          nante do Japão por volta de 1590, se acolheram no bairro   tornar-se chefe de cozinha, oportunidade que lhe permite
          cristão de refugiados japoneses, próximo do Ban Portuguet,   inserir na gastronomia siamesa a doçaria portuguesa. Daí
          o bairro português localizado em Ayutaá, Sião, fundado por   o facto dos fios de ovos, o mais apreciado, serem hoje o
          volta de 1516, logo após a assinatura do primeiro acordo   doce nacional da Tailândia. A sua situação assim se man-
          de amizade e comércio entre Portugal e o Reino de Sião   terá, até à sua morte em 1703.
          (hoje Tailândia). Nascida com sangue português, em meados   Das ambições desmedidas, dos jogos de interesse, dos
          do século XVII, já no Ban Portuguet, Guiomar passa a ter   negócios sujos de grandes gestores, das trocas de influência,
          uma educação católica a rigor, administrada pelos sacerdo-  dos corruptos e inflexíveis, fosse ontem como hoje, o povo
          tes do Padroado Português do Oriente.              português  não  desconhece…mas  permanece  sereno,  pa-
            À  época,  Luís  XIV  ambicionava  colonizar  o  Sião  e   gante,  cândido  e  doce  na  espera  de  melhores  tempos…
          torná-lo colónia da França, pelo que recorre aos missioná-  certamente à espera que um dia, que tarda a chegar, surjam
          rios das Missões Estrangeiras de Paris, no sentido de ganhar   para estes as sempre faltosas grades, grades sim, porque na
          influência junto dos siameses. Por esta altura reinava no   nossa brandura detestamos o machado decapitador. E assim
          Sião o rei Narai que, na ambição de se tornar numa po-  fazemos jus ao que disse Martin Luther King: “O que mais
          tente e comercial monarquia, acolhe bem os franceses e   preocupa não é nem o grito dos violentos, dos corruptos,
          as suas influências política e militar.            dos  desonestos,  dos  sem  carácter,  dos  sem  ética.  O  que
            Por esta altura um grego ortodoxo, de seu nome Cons-  mais preocupa é o silêncio dos bons!”
          tantine  Phaulkon,  homem  ambicioso  que  abandonara  a
          British East India Company, procura começar um negócio
          por conta, (que não de sucateiro ou banqueiro), instalan-
          do-se em Ayutáa.
            Comerciante  experiente,  vem  a  conhecer  outros  co-
          merciantes tailandeses, que o “passam”ao ministro do te-
          souro e das finanças do governo do Sião, que rapidamente
          o  põe  em “contacto”  com  o  rei  Narai,  o  Grande.  Desta
          forma, aquele estranho grego, vem a ganhar grande influ-
          ência junto da corte, acabando por vir a gerir os negócios
          internacionais do Sião.                            Ruinas da residência de Constantine Phaulkon na Tailândia


                                                                                        Boletim da associação dos PuPilos do exército  13
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