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crónicas e artigos de opinião




               Portugueses no Oriente

              desde Duarte Fernandes.                                                O herói



                             ugindo à confusão do Ano Novo Chinês,          m  algum  momento
                             mais  uma  vez  me  refugiei  na  praia  de    da  vida  o  inesperado
                        FTai  Muang,  na  Tailândia,  conhecida  pela  Etorna-se  esperado,  o
                        alvura das suas areias e cristalinas águas. À mi-  inimaginável real e o inacei-
                        nha frente o Mar de Andaman, na imensidão      tável torna-se, pela força das
                        do  Golfo  de  Bengala.  O  rebentar  das  ondas   circunstâncias, aceitável.
                        traz-me à memória histórias da minha infân-      Uma  neblina  intransponí-
                        cia,  histórias  bonitas  e  então…  dou  comigo   vel figura o horizonte huma-
      Cândido Azevedo   a  relembrar  as  histórias  do  herói  Sindbad,  o   no, abate-se a escuridão e o   mARiAnA teRRA
             1960.0364                                                                                   dA mottA
                        marinheiro,  que  navegando  por  estas  águas,   ser  humano,  enfraquecido,
       sempre em buscas de novas aventuras e tesouros perdidos, passa   deixa que a sua esperança seja arrastada pelos
       a vida em permanente luta contra ladrões, traidores e ….sempre   ventos cortantes, sabe lá ele para onde. A sua
       envolvido em algum romance.                                     habitual posição de lutador, de herói, vacila, ele
          Mas estas águas, outrora, foram também sulcadas por alguns   retrai-se, baixa o olhar e deixa que os seus joe-
       capitães portugueses, valorosos comandantes e conselheiros mili-  lhos enfraqueçam até o derrubarem pelo chão.
       tares, ao serviço do Império Português. O primeiro deles foi Duarte   E  assim  permanece,  deixando  que  as  inúme-
       Fernandes, que enviado por Afonso de Albuquerque, logo após     ras e sucessivas imagens se apoderem da sua
       este tomar posse de Malaca a 24 de Agosto de 1511, estabelece   mente. Ele teme, teme tanto e é tão legítimo. O
       relações amigáveis com o rei de Sião (Tailândia), comprovando   fim, seja ele de um capítulo ou de uma história,
       as qualidades diplomáticas de Albuquerque. O rei siamês Tibodi   assusta-o. A noção de ponto final e de parágra-
       II recebe amigavelmente aquele enviado português e até autoriza   fo dá ao nosso (sempre) herói uma perspectiva
       a fundação da primeira feitoria em terras siamesas (meramente   dura da vida já que não poderá reviver o passa-
       para fins comerciais, pois Malaca dependia do arroz que vinha do   do no presente e no futuro. Cada capítulo é um
       Sião), e a liberdade de evangelizar. Em troca pedia armas, mu-  capítulo.
       nições e homens capazes de manusear estas técnicas militares      E é perdido nestes pensamentos que o nos-
       demasiado avançadas para o exército tailandês, em guerra com    so ser humano se mantém ainda abatido sobre
       Chiangmai, reino a Norte de Ayuthia, a bonita capital. O pacto fir-  a  terra,  empregando  todas  as  suas  forças  nas
       mado com Portugal trouxe muitas vantagens ao povo siamês, que   pálpebras de maneira a impossibilitar a abertu-
       com a nossa ajuda militar, consegue derrotar outro povo inimigo,   ra dos olhos. Ele deseja ser cego, acredita que
       os Birmaneses, que teimavam em atacar a capital. Assim outros   a  ausência  de  visão  será  certamente  melhor
       capitães se destacaram no Golfo de Bengala. Permito-me referir   do que aquela que os seus olhos lhe propor-
       aqui Martim Afonso Jusarte, Diogo Pereira (defensor da capital e   cionam. Domado pelo medo, sim, porque um
       amigo de S. Francisco Xavier), Domingos de Carvalho e Manuel de   herói também teme, ele coloca as mãos sobre
       Mattos, sendo estes dois últimos eleitos, na segunda década do   a face, cerra os dedos, garantindo que nem um
       século XVI, fidalgos da Casa Real, pela bravura demonstrada nestas   raio  da  vida  real  trespassa  aquela  camada.  E
       águas.                                                          nesta  posição  defensiva  permanece  por  mais
          Mas, infelizmente, os portugueses que deixaram marcas, mais   uns momentos.
       duradouras, na memória colectiva das gentes do Golfo de Bengala,   No entanto, o seu coração, inferiorizado até
       e pela negativa, foram os feringi nome local dado aos piratas, ban-  ao momento por todo aquele medo e angús-
       didos e mercenários portugueses, aventureiros deslumbrados com   tia,  reage.  Devagar,  impõe-se  sobre  a  mente,
       as riquezas, mordomias e qualidade de vida que os seus roubos,   deixando que as emoções prevaleçam sobre a
       saques e raptos lhes permitiam. Os mais conhecidos foram Da-    razão. E o nosso lutador deixa as mãos caírem,
       mião Bernaldes, Sebastião Gonçalves Tibau e seus descendentes.   timidamente abre os olhos, encara a realidade
          Porque a região de Chiangmai veio a ser a fonte de discórdia   e surpreende-se. Aos olhos do coração, o céu
       entre os reinos de Myanmar (Birmânia) e o Sião (Tailândia), as   estava azul brilhante, apenas se sentia uma brisa
       guerras entre birmaneses e siameses perduraram ao longo de dé-  acariciante.  Mas  ele  via,  no  horizonte,  um  ce-
       cadas e, nesses conflitos era comum haver portugueses a lutarem   nário escuro, sombrio, aterrorizador. Fechou de
       contra outros portugueses defendendo reinos opostos: uns por    novo os olhos e jurou que, daí em diante, poria
       nobre causa, outros por egoísmo pessoal ou tendência insaciável   sempre os sentimentos à frente da razão, faria
       pelo despotismo e poder.                                        prevalecer o amor aos vícios.
          A história repete-se, é bem sabido. E ficam para depois outras   Abriu os olhos, reergueu-se e seguiu cami-
       referências a propósito.                                        nho para um futuro longo....

                                                                                                dos
                                                                                                   Pupilos
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