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evocações
Bravata de Guarda-da-Marinha
HumbeRto lolA doS ReiS
1941.0159
história que vos vou contar, passada em 1953, assisti- o convés, mas notavam-se nitidamente as “trombas” de desi-
ram quatro jovens “pilões” que eram: eu, o Domingues o lusão dos nossos anfitriões. Foi então que o Sampaio, guarda-
À erneco Bicho e o Marques, este último já falecido e foi marinha português, alto e bastante magro, de quem todos gos-
P
passada em Dacar, a bordo do nosso “Afonso de Albuquerque” tavam muito pela sua simpatia e boa disposição, pediu que lhe
e do Navio Escola Brasileiro “Almirante Saldanha”. Os navios es- trouxessem um banco, subiu, para que pudessem vê-lo bem e
tavam atracados na mesma muralha, um de cada lado e com as disse: tragam-me um copo de água cheio dessa vossa cacha-
pranchas mesmo em frente uma da outra. ça! Imediatamente um deles foi a correr à sala onde tínhamos
Tudo começou com um almoço, em que se usou o unifor- almoçado e apareceu com um copo e uma garrafa na mão,
me branco, que os nossos guardas-marinha resolveram ofere- enchendo-o imediatamente. O Sampaio olhou em volta e disse
cer aos seus pares brasileiros. Já não me recordo do menu, mas bem alto: querem ver como bebe um português? E não tardou
era bom de certeza, pois nessa altura comia-se muito bem na a engolir todo o líquido! Começaram a chegar oficiais e mari-
Armada e especialmente a bordo dos navios. Por isso, os “meni- nheiros, quase toda a guarnição e fizeram uma roda à volta do
nos” brasileiros atacaram bem o que foi servido e, melhor ainda, banco, com um vazio no centro para ver quando ele caía. Al-
o nosso vinho tinto. Alguns apanharam bebedeiras de “caixão guns de nós aproximamo-nos para o amparar caso caísse. Mas
à cova” e deitaram-se nas cadeiras de viagem que nós usá- nada disso, estava bem firme, como uma rocha! E nós de boca
vamos para apanhar sol aberta! Repentinamente,
no alto mar e nas horas voltou-se para o que tinha
de lazer. Vários, sentiam- a garrafa e ordenou-lhe:
-se mal e começaram a encha outro! Tentámos
vomitar mesmo sem se evitar tal estupidez mas
levantarem das cadeiras. já era tarde. O brasileiro,
Agora imaginem, com com um “riso sacana”,
todo aquele vinho tinto a foi mais rápido. O silên-
brotar para cima das alvas cio era total! O Sampaio
fardas, como não seria o levantou o copo, como
seu aspecto! Tivemos que uma taça acabada de
agarrar neles, leva-los até conquistar em qualquer
à nossa prancha e, como jogo e disse, com um
ela estava bem em fren- sorriso gozão: não acredi-
te da deles, dávamos um tam? E num ápice embor-
pequeno empurrão, com cou a cachaça toda! Nós
a velocidade adquirida na estávamos estarrecidos
descida, quase que lhes pois toda aquela bebida
dava forças para subirem poderia matá-lo. Fomos
a deles, onde ao portaló até junto ao banco para
se encontrava o oficial de O Almirante Saldanha, atracado em Tamatave, hoje Toamasina (Madagascar) durante a Viagem o ajudarmos a descer
serviço, que os agarrava de Intruçao de Guardas Marinha de 1951. (foto: Pedro Caminha) mas ele não deixou. Sal-
e depois lhes tratava da tou para o convés, disse
“saúde”. Nós gozávamos como uns perdidos! Claro que eles adeus a todos, sempre com o mesmo sorriso, andou até ao
ficaram com a pedra no sapato! portaló, serenamente virou-se para a popa do navio fez conti-
Dois dias depois oferecem-nos, também, um almoço como nência à bandeira brasileira, começou a descer a prancha sem-
retribuição. Mal começamos a refeição foi uma azáfama a en- pre direito, subiu a prancha do nosso navio, entrou e quando já
cherem-nos os copos com cachaça. Até se podia ler nas testas estava fora das vistas dos brasileiros caiu redondo, a gemer e a
de quase todos os brasileiros a palavra ”VINGANÇA”. Claro que pedir um saco de gelo para pôr na cabeça que parecia estoirar-
para nós, almoçar a beber aquela “bomba”, não estava nos nos- lhe. Pegamos nele e deitámo-lo no seu beliche. Felizmente que
sos hábitos e, por isso, lá a íamos bebericando com certo cui- vomitou!
dado. Sempre que um de nós dava um golo, aparecia logo um Passadas umas horas, a curiosidade dos guardas-marinha
deles para encher o copo. Mas as coisas não estavam a correr brasileiros era tanta que alguns apareceram a perguntar pelo
a contento dos brasileiros que começaram por lembrar que no Sampaio. Mas logo que ele ouvia um deles, levantava-se, sem-
nosso almoço eles tinham bebido bem e agora nós estávamos pre segurando o saco de gelo e murmurava: digam-lhes que fui
a fugir à bebida. Explicamos que nós só estávamos habituados passear para a cidade, enquanto se fechava na casa de banho!
a beber vinho às refeições. Cachaça era para beber com o café! Os brasileiros estavam completamente baralhados e nunca vie-
Se eles tivessem vinho, mesmo brasileiro, certamente faríamos ram a saber a verdade. Consideravam o Sampaio uma anor-
as honras da casa! Mas não tinham! E o almoço lá se foi arras- malidade! Para nós era uma…glória! Nunca mais foi esquecido
tando com nítida má vontade dos brasileiros, que só não se este almoço e a façanha do nosso querido amigo Sampaio, que
atreveram a chamar-nos algum nome feio. bem caro lhe poderia ter custado. Mas Deus amparou-o. ERA
Quando a refeição foi dada como terminada, viemos para UM RAPAZ HONESTO, LEAL E DIGNO! BEM MERECIA
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