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crónicas e artigos de opinião




       eRnAni bAlSA
       1960.0300
                                   escrever coisa nenhuma



                                     se me permitem, come-    folha sem nada escrito...
                                  çaria  esta  minha  segunda    às vezes, basta um pequeno pormenor para nos arran-
                                  colaboração  no  nosso  bo-  car deste estado inerte dos dedos flutuando, ainda sem
                                  letim com uma declaração  o derradeiro sinal para atacarmos a construção da escrita
                                  de  interesse,  que  julgo  por cima do teclado. uma pequena ideia, um acaso, um
                                  importante confessar e es-  episódio, na altura sem importância, mas que a maravi-
                                  clarecer. escrever, é essen-  lha do pensamento nos fez torná-lo num tema que de
                                  cialmente um exercício de  repente toma conta de nós. no meu caso, tanto posso ter
                                  liberdade, porque cada um  uma ideia já vagamente construída, como partir do vazio
                                  de nós é, no seu mais pro-  absoluto.
                                  fundo ser, um ser livre. só    esta urgência de escrever hoje e imperetívelmente até
       as condicionantes e contingências da vida permitem que  amanhã, ter este desenho de palavras pronto para enviar,
       cada um de nós, em determinadas circunstâncias, vá fi-  empurra-me inexoravelmente para o confronto com o tal
       cando  refém  de  maiores  ou  menores  amarras  que  lhe  abismo de que falava, sendo portanto inadiável tomar a
       limitam esse exercício. não é, no actual contexto, o meu  atitude que se impõe... sinto desfilar dentro de mim uma
       caso. o facto de escrever neste nosso boletim não tem  miríade  de  temas  que  poderia  aqui  abordar.  hoje,  por
       que me amarrar a nenhum tema hermeticamente “pilóni-   exemplo, aconteceu uma greve geral e poderia ser interes-
       co”, uma vez que sou de opinião que há necessidade de  sante ir por aí, sem considerções partidárias, mas apenas
       abrir cada vez mais estes espaços a outras áreas, sem nos  pela vertente política e social. poderia ser, mas no entanto,
       fecharmos num rosário de recordações, elegias e recons-  não querendo ferir susceptibilidades de quem quer que
       trução do passado. não condeno                                              seja,  num    espaço  teoricamente
       tal prática, que faz também parte   «o estigma da página em branco           isento e apartidário, acho melhor
       daquilo que nos alimenta o ego                                               não ir por aí. há quem considere
       de  filhos  duma  casa  que  todos   é, mais do que um desafio, por          a greve, em si, um tema e uma
       amamos,  respeitamos  e  quere-                                              arma ideológica, no mau sentido,
       mos ver cada vez mais dignifica-  vezes, uma angústia, ou então,             e a própria ideologia uma tomada
       da, mas há espaço para tudo e         o desaguar dum impulso                 de partido, quando ela é apenas a
       essa vertente já está por demais                                             ciência da formação de ideias...
       servida  nestas  páginas.  deixem-          incontrolável»                      acho  que  me  resta  portanto
       me então dar asas à imaginação,                                              falar  de  nada.  esse  anátema  da
       à livre expressão das minhas alegrias e preocupações, das  dissertação, da dialéctica da coisa nenhuma, do discurso
       minhas elucubrações sobre o que quer que seja que me  do absurdo. falar da ausência ou inexistência daquilo que
       atice a inspiração, se a tiver...                      deveria ser um tema, pode ser um sofisma para disfarçar
          chego  aqui  a  esta página  em  branco  na  véspera da  uma  inspiração  também  ela  ausente,  mas  poderá  tam-
       data limite para enviar este meu contributo. para quem  bém não deixar de ser um desafio. porque para aqui se
       escreve, o estigma da página em branco é, mais do que  chegar, já eu gastei duas páginas de branco, que ainda há
       um desafio, por vezes, uma angústia, ou então, o desaguar  pouco eram nada, o tal abismo em que eu me arriscava a
       dum impulso incontrolável que se sublima num enorme  cair e qualquer um pode imaginar o que será despenhar-

       alívio. há mesmo quem diga que o também possível ter-  se num mar de branco, que é a ausência da própria côr...
       ror deste espaço em branco, como que um abismo de  quando existe côr, existe profundidade, dimensão. quan-
       ausência que tende a nos intimidar, só se pode resolver  do  apenas  o  branco  existe,  o  que  existe  para  além  do
       indo em frente, sem pensar muito naquilo que vão ser as  branco é o desconhecido que não nem dimensão nem
       primeiras letras, as primeiras palavras, a primeira frase, a  volume ou conteúdo. é coisa nenhuma à procura de al-
       primeira ideia ainda por construir... como dizia Saramago,  guma coisa...
       e para quem, como eu e muitos outros, hoje em dia subs-   por isso, escrever sobre coisa nenhuma não é assim
       tituiram o doce e sensual deslizar do aparo, da esfera ou  tanto um exercício sobre o nada, mas antes o mergulhar
       da ponta do instrumento de escrita, pelo ritmo, também  numa procura constante que nunca se consome nem ter-
       ele inspirador do matraquear dum teclado, o que o chama  mina. é escrever sobre o nosso eterno desconhecimento,
       à escrita, é o incansável e hipnótico piscar do cursor num  com o conhecimento que em cada momento temos das
       ecran de computador. há portanto imensas maneiras de  coisas, das pessoas, do mundo. quão profundo e inspira-
       ultrapassar  esta  angústia  do  vazio  e  da  brancura  duma  dor é pois o nada ou a coisa nenhuma, meus amigos...

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                                                                                                                                                                                                             da
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                                                                                                                                                                                                                       dos

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       14 | Boletim da Associação dos Pupilos do Exército                                                                                                                                              Boletim da Associação dos Pupilos do Exército | 15 5
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