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crónicas e artigos de opinião
JoSé PeReiRA
1951.0211
Os Árabes e a emergência do Islamismo
O traço dominante da população do Centro e do Norte da conhecer aos Árabes uma revelação em língua árabe, à seme-
Arábia, no período que precedeu imediatamente a ascensão do lhança do que acontecera antes com outros povos nas suas pró-
islão é o do tribalismo beduíno. prias línguas. Os apoios que obteve inicialmente foram escassos,
Segundo Bernard Lewis, na sociedade beduína a unidade so- e encontrou-os sobretudo entre as classes mais humildes. Entre
cial é constituída pelo grupo e não pelo indivíduo. Este só tem os primeiros conversos encontravam-se sua mulher Khadija e seu
direitos e obrigações enquanto membro do respectivo grupo. primo Ali, que viria a ser o quarto Califa.
Na organização política da tribo, o chefe era o Sheikh, escolhi- À medida que Maomé se foi tornando mais activo e começou
do por eleição, o qual raramente representava algo mais do que a atacar abertamente a religião existente em Meca, a oposição
ser o primeiro entre iguais. Mais do que ditar, ele seguia a opinião movida contra si e os seus adeptos pelos governantes foi en-
tribal. O Sheikh era eleito pelos mais velhos da tribo, normal- durecendo. O facto de não conseguir um progresso significativo
mente de entre os membros de uma única família, funcionando contra a oposição de Meca levou Maomé a tentar o êxito noutras
como uma espécie de casa de Sheikhs, designada por Ahl al-bait, paragens, vindo a aceitar o convite do povo de Medina e para aí
«as pessoas da casa». se transferiu.
Era apoiado por um conselho de anciãos denominado Majlis, A Hégira [ migração de Maomé de Meca para Medina] foi
constituído pelos chefes das famílias e pelos representantes dos precedida de negociações demoradas e teve lugar, por fim, no
clãs existentes na tribo. O Majlis funcionava como porta-voz da ano de 622 d.C.. Ela marca uma viragem na carreira de Maomé
opinião pública. Parece ter sido reconhecida a distinção entre de- e uma revolução no Islão. Em Meca, Maomé era um simples
terminados clãs considerados aristocráticos e os restantes. habitante, em Medina era o magistrado supremo de uma comu-
A sua religião não era individual, mas comunal, concentrando- nidade. Em Meca pregava o Islão, em Medina podia pô-lo em
se a fé tribal à volta do deus da tribo, geralmente simbolizado prática. [...]
por uma pedra e, às vezes, por um outro objecto. Ficava sob a A comunidade estabelecida, a Umma, constituiu uma evolu-
custódia da casa do Sheikh, que desse modo conquistava um ção da cidade pré-islâmica com algumas alterações importantes,
certo prestígio religioso. e marcou o primeiro passo na via da posterior autocracia islâmi-
Maomé terá nascido em Meca entre 570 e 580 d.C. [ depois ca. Confirmava a organização e costumes tribais, mantendo para
de Jesus Cristo], na família do Banu Hashim, uma família respeitá- cada tribo as respectivas obrigações e privilégios relativamente
vel de Quraish, se bem que não pertencente à oligarquia reinan- aos estrangeiros. Porém, no seio da Umma, todos esses direi-
te. Maomé, órfão, foi criado pelo avô. Adquiriu riqueza e posição tos vieram a ser abandonados e todas as disputas submetidas
social ao desposar Khadija, viúva de um rico comerciante, mais à decisão de Maomé. O Quraish constituiu a única excepção.
velha do que ele alguns anos. Nenhum dos sectores estava autorizado a celebrar a paz com
A tradição muçulmana diz-nos que Maomé era iletrado. Os um órgão do exterior, e os transgressores em relação à Umma
seus conhecimentos da Bíblia teriam sido adquiridos por via in- eram proscritos.
directa, provavelmente através de comerciantes e de viajantes Essa mudança traduziu-se , efectivamente, na supressão, no
judeus e cristãos. seio da Umma, dos feudos de famílias e na consecução de uma
A tradição também fala de um grupo denominado Hanifes, maior unidade interna através da arbitragem.
pagãos de Meca descontentes com a idolatria dominante do seu De importância comparável foi a nova concepção de autori-
povo e que aspiravam a uma forma mais pura de religião, embo- dade. O Sheikh da Umma, ou seja, o próprio Maomé, passava a
ra não estivessem ainda preparados para aceitar nem o Judaísmo exercer as suas funções, não por força de uma autoridade con-
nem o Cristianismo. Talvez seja entre eles que se devam procurar dicional e consensual, não espontaneamente reconhecida pela
as origens espirituais de Maomé. tribo e sempre revogável, mas por uma absoluta prerrogativa re-
Maomé ouviu pela primeira vez o Chamamento quando es- ligiosa. A fonte de autoridade foi transferida da opinião pública
tava prestes a atingir os quarenta anos. Os capítulos do Alcorão para Deus, sendo Maomé o Seu Profeta.
por ele ditados (ou recitados) em Meca são essencialmente reli- A Umma tinha portanto um duplo carácter. Por um lado, era
giosos e ocupam-se fundamentalmente de questões tais como a um organismo político, uma espécie de tribo nova de que Mao-
unidade de Deus, a iniquidade do espírito idólatra e a iminência mé era o Sheikh e os Muçulmanos e os outros os seus membros.
do julgamento divino. Maomé não tinha possivelmente a inten- Todavia, possuía simultaneamente um significado essencialmen-
ção de fundar uma nova religião, procurando tão-somente dar a te religioso.
Fontes e Bibliografia:
Apontamentos escritos nas aulas de História do Islão.Bernard Lewis, Os Árabes na História, 2.ª edição, Lisboa, Editorial Estampa, 1996.
Algumas definições:
Islão- A religião dos Muçulmanos. Conjunto dos povos ou dos países onde residem os Muçulmanos.
Islamismo- Termo erudito que designa a religião do Islão, fundada pelo profeta Maomé e baseado no Corão (Alcorão), livro cujo texto – em
versículos - lhe foi revelado por Deus.
Muçulmano- Do árabe “Muslim” ( pl. Muslimûna)- O que se converteu ao Islão. Submissão à vontade de Deus. É o mesmo que islamita em
que a sua religião tem como livro sagrado o Alcorão.
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