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Cultura &            VAMOS FALAR DE óPERA
             Actualidade


                  uma  reunião  sobre  o  nosso   nio Barezzi. Quando completou 18 anos   te. Rigoleto acaba por descobrir e chora
                  Boletim em que o laborioso e   concorreu  ao  Conservatório  de  Milão,   amargurado  e  arrependido  de  tudo  o
                  interessado editor Fernando   mas foi reprovado por ter mais de cator-  que  fizera  e  que  acabara  por  se  voltar
                  Pires fez uma excelente apre-  ze anos, idade limite para ser aceite. De-  contra ele próprio.
         Nsentação do que foi o seu tra-      pois disso, teve um professor particular            ***
         balho desde que aceitou as funções até   e  prosseguiu  os  seus  estudos  durante   Mas o que esta ópera tem de inovação é
         agora, dizia-se que era necessário apa-  três anos.                       que a estrutura operática, à época, cons-
         recerem mais artigos sobre Cultura.                  ***                  tava de grandes conversas com música,
            Veio-me logo à ideia o magnífico e di-  Não me vou adiantar sobre a biografia   na qual se intercalavam bonitas árias de
         vertido artigo que o meu amigo Barra-  de Verdi, porque, certamente, vou exce-  todos os intervenientes e alguns duetos.
         das Barroso (O Tiago) escreveu sobre a   der o tamanho de texto e o Pires rejei-  Nesta ópera, Verdi transforma o que era
         sua  ida  à  ópera,  em  que  o  apanharam   ta-o.                        uma peça com fala musicada, para uma
         um  pouco  descalço  por  a  sua  cultura   Lembro-me  do  início  do  excelente   constante e quase seguida melodia sem
         musical não ser das melhores. Lembrei-  filme  de  Bertollucci,  “Noveccentto”   trechos só falados como até ali se verifi-
                           me então de escre-  (1900), quando no início do século vinte   cara. É pois uma ópera inovadora e mui-
                           ver algo sobre ópe-  (1901) um criado coxo e marreco, de uma   to melodiosa que empolga ouvir, cheia
                           ra.                herdade  em  Itália,  tentava  correr  pelo   de coros, árias a solo, bonitos duetos e
                             Sosseguem  os    átrio  até  à  casa  do  patrão  gritando:  “   um  quarteto  excepcional  “Bella  Figlia
                           meus caros leitores   Verdi è morto” e o patrão assomando à   dell’Amore” em que o Duque e Madale-
                           que,  tal  como  o   porta  chamava:  “Rigoletto!”,  enquanto   na  de  um  lado  conversam,  e  do  outro,
                           “Tiago”, eu não sou   se ouvia em fundo a excelente e impres-  Gilda e Rigoletto escutam e falam, ten-
                           um  conhecedor  de   sionante abertura da ópera.        tando o pai mostrar a sua filha o escro-
                           fusas, semi-fusas e   Vamos então falar de Rigoletto:   que que o duque é.
                           colcheias e, portan-  Rigoletto nasce de uma história de   Poderia  estar  aqui  a  escrever  pági-
          Rui Cabral Telo  to,  não  vou  aqui   Victor Hugo intitulada “Le Roi s’amuse”   nas sobre o tema, mas o espaço não me
               (19480265)  botar ciência musi-  sobre a qual o libretista Francesco Ma-  permite.  Espero  não  ter  dado  cabo  da
                           cal. Disso não per-  ria Piave, grande amigo de Verdi, cons-  paciência aos leitores e que o meu amigo
                           cebo nada, mas sou   trói um libreto. No início, Verdi preten-  “Tiago”, quando for ao São Carlos ver o
         aquilo a que se poderá chamar um me-  dia atingir o Imperador austríaco, penso   Rigoletto, já possa botar figura falando
         lómano. Gosto de escutar e saber algu-  que  seria  Francisco  José,  indivíduo  de   daquilo que agora já sabe e penso que
         ma coisa sobre aquilo que escuto e gosto   vida bastante devassa que dominava di-  irá  ficar  a  saber  mais,  procurando  o
         principalmente de ópera, só tendo pena   tatorialmente  a  Itália,  ao  contrário  de   muito que sobre o assunto existe.
         de não ver tantas como gostaria. A título   como os filmes da Sissi o apresentaram,   Quero só lembrar-lhes que a ópera,
         de  curiosidade  posso  referir  que  esse   mas teve de alterar nomes pois a censu-  nos séculos XVII, XVIII e princípios de
         gosto me foi transmitido em S. Salvador   ra da época não o permitiu. Assim, Ver-  XIX,  era  um  espectáculo  popular  ao
         do Congo, hoje Banza Congo capital da   di  transformou  o  Imperador  num  du-  qual todo o povo aderia, só se tornando
         província do Zaire em Angola. Coman-  que,  Duque  de  Mântua  (tenor),  que  se   mais elitista a partir de finais do século
         dava eu uma unidade de Intendência e   servia  do  seu  bobo  da  corte,  Rigoletto   XIX. Já lá dizia o nosso saudoso António
         tinha como meu auxiliar um furriel mi-  (barítono), indivíduo feio, coxo, marreco   Silva, no Pátio das Cantigas; “ A ópera é
         liciano,  cantor  no  coro  do  São  Carlos,   e sem escrúpulos, para raptar e colocar   a música dos operários”. As óperas de
         que  todas  as  manhãs  me  acordava  ao   no  palácio  à  sua  devassa  disposição,   Verdi eram tão populares, que nos dias a
         som da ária “Questa O Quella Per Me   donzelas que cobiçava. Só que o destino   seguir  às  estreias,  as  principais  árias
         Pari Sono” início do I Acto da ópera Ri-  acaba por se virar contra Rigoletto e é a   eram cantadas nas ruas. Foi o caso da
         goletto. Esse rapaz tinha a paciência de,   sua  própria  filha,  que  ele  preservava   célebre ária de tenor “La Donna è Mobi-
         ao som do disco, fazer-nos seguir a par-  com  muito  carinho,  Gilda  (soprano)  a   le” que ainda hoje todo o mundo canta.
         titura,  indicando  todas  as  passagens   raptada e posta à disposição do duque   Desta ópera existe uma edição já em
         apontando com uma caneta bic. Era ex-  devasso que entretanto a conhecera fa-  CD, gravada dos antigos discos de vinil,
         tremamente  impressionante  como  o   zendo-se passar por estudante, deixan-  com interpretações dos excelentes Giu-
         conseguia, mas o certo é que nos dava   do a pobre incauta completamente apai-  seppa Di Stefano (duque), Maria Callas
         uma ideia de qual seria a realidade dos   xonada. Ao saber que tinha sido enga-  (Gilda),  Tito  Gobbi  (Rigoletto),  Nicola
         intervenientes  ao  seguirem  a  mesma   nado, Rigoletto lembra-se então de uma   Zaccaria (Sparafucille) e a memória fa-
         pauta.  E  tanto  isso  me  impressionou,   maldição que o conde Monterronne lhe   lha-me sobre quem fazia o papel de Ma-
         que  não  descansei  enquanto  não  com-  lançara  quando  ele  se  rira  pelo  choro   dalena, não tenho os discos agora comi-
         prei essa ópera completa. É portanto so-  amargurado  deste  por  a  filha  ter  sido   go, mas penso ser Adriana Lanzarini.
         bre  Verdi  e  a  sua  ópera  Rigoletto  que   desonrada  pelo  duque.  A  ópera  trans-  Se me deixarem e tiverem paciência,
         vos vou falar:                       forma-se em tragédia quando Rigoletto   poderemos  para  a  próxima,  continuar
            Giuseppe  Verdi  era  filho  de  Carlo   se pretende vingar, contratando um as-  com  Verdi  e  outra  ópera  que  pode  ser
         Verdi  e  de  Luisa  Utini.  Nasceu  na  pe-  sassino  profissional,  Sparafucille  (bai-  desde a Aída a Nabucco ou A Traviata.
         quena localidade de Roncole, no Duca-  xo), irmão de Madalena (meio-soprano)   Peço  desculpa  se  as  palavras  e  nomes
         do  de  Parma.  Começou  de  pequeno  a   amante  do  duque.  Mas  Gilda  sabe  do   em italiano não estiverem bem escritas.
         interessar-se  pela  música  e,  aos  doze   acordo do pai com o assassino e acaba
         anos, passou a estudar música em Bus-  por tomar o lugar do duque dentro da   Vão à ópera.
         seto, financiado pelo comerciante Anto-  mortalha e é apunhalada em lugar des-



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