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CULTURA E CONHECIMENTO



           d. JoÃo ii: da aRte de GoveRnaR,


           Às inFoRmaÇÕes e aos seGRedos de estado


           david pascoal Rosado | 19850253



              O primeiro método para estimar a inteligência de um governante é   “Três pessoas podem manter um segredo, se duas delas estiverem
                             olhar para os homens que tem à sua volta.”                                 mortas.”

                                              Nicolau Maquiavel                                   Benjamin Franklin


              m  todas  as  épocas  e                         cargo que exerce. Somos sempre líderes pelas acções que tomamos e
           Eem todos os regimes                               pelo espírito de união que conseguimos criar nas pessoas. Fora disso,
           políticos, existiu sempre a                        estamos no campo da retórica. E aqui, também, a questão da inevitabi-
           necessidade de haver ser-                          lidade, é esmagadora.
           viços  de  informações                                Não  há  almoços  grátis.  Quem  tem  responsabilidades  de  chefia,
           competentes e eficazes. O                          comando e direcção – no fundo, desafios de liderança em sentido lato
           mundo em que vivemos é,                            – não pode encarar a realidade como um livro de romance. A realidade
           frequentemente,  muito                             nunca foi isso, não é, nem nunca será.
           diferente daquilo que ve-                             Recordemos a História. Ao tempo de D. João II, a caravela latina
           mos  na  televisão,  lemos                         tinha sido uma “conquista técnica dos portugueses”, pelo que era ló-
           nos jornais ou pesquisa-                           gico que “os portugueses procurassem salvaguardar o exclusivo da sua
           mos  na  internet.  Sempre                         utilização”. Sem surpresa, “os pilotos, os mestres e os marinheiros eram
           assim  foi,  é,  e  assim                          proibidos de servir nações estrangeiras”, sob pena de perderem os seus
           continuará  a  ser.  Neste                         bens e de serem degredados para a ilha de Santa Helena. E “quanto aos
           domínio,  a  questão  da      D. João II, O Príncipe Perfeito  roteiros,  livros  de  bordo,  relações  de  escrivães  e  cartas  de  marear,
           inevitabilidade é atroz.                           sabe-se com segurança que foram sequestradas sistematicamente dos
              E é também por esta razão que a esmagadora maioria dos autores   olhos indiscretos”, porque “tudo o que se relacionava com cartas de
           escreve aquilo que o Homem deve fazer, mas não escreve aquilo que o   marear ou mapas-múndi, estrangeiros ou portugueses, livros de mari-
           Homem efectivamente faz. Poucos têm sido aqueles que, no decurso da   nharia, de astrologia ou de viagem, roteiros ou relações de escrivães
           História, se têm atrevido a escrever a realidade tal como ela é, na sua   de bordo eram considerados património secreto do Estado”, já para não
           postura  crua,  fria  e  desapegada.  Nicolau  Maquiavel  contou-se  entre   aludir ao “segredo geográfico em relação às cartas de marear” que se
           aqueles poucos que se atreveu a contar a realidade tal e qual ela era.  revestiu naquilo que foi a “fraude cartográfica”.
              E é claro que os desafios se mudam com os tempos e há coisas   Como diria Maquiavel: “só são boas, certas e duradouras, as defe-
           que nunca mudam. Se é verdade que, tal como disse Grover Cleveland,   sas que provêm propriamente de ti e do teu valor”. De facto, já Napoleão
           “Em águas calmas, todo o navio tem um bom capitão”, contudo, todos   Bonaparte tinha alertado que “Não é dispersando as tropas e separando-
           concordaremos que existe uma grande diferença entre navegar em águas   -as que se chega a um resultado”.
           calmas ou navegar em mar revolto. O mesmo acontece no Estado, nas
           organizações e nas empresas. A modernidade não se compadece com   bibLioGRaFia
           soluções obsoletas. E agora, sobretudo agora, parece que quase todos   BONAPARTE, Napoleão (2003). Como Fazer a Guerra, Lisboa, Edições Sílabo
           nos afastamos de mentiras que, de tantas vezes repetidas, se materia-  CARDOSO, Pedro (2004). As Informações em Portugal, Lisboa, Gradiva
           lizaram em verdades assumidas.                     CLAUSEWITZ, Carl Von ([s. d.] Ed. Original 1832). Da Guerra, Mem Martins,
              Raymond Aron disse uma vez que “a maneira como os homens se   Publicações Europa-América
           combateram  foi  sempre  tão  eficaz  para  determinar  as  estruturas  da   MAQUIAVEL,  Nicolau  ([s.  d.]  Ed.  Original  1532).  O  Príncipe,  Mem  Martins,
                                                                 Publicações Europa-América
           sociedade, como a maneira como os homens trabalharam”. Não nos
           parece credível que alguém, por mais alto cargo que ocupe – mais uma
           vez, seja no Estado, nas empresas ou nas organizações de uma forma
           geral – confunda a “relação que existe entre a arte do homem que faz
           a espada e a arte de usar a espada”, como diria Carl von Clausewitz.
              D. João II, cognominado de O Príncipe Perfeito pela forma como
           exerceu as suas funções de monarca, tinha uma noção muita aferida
           daquilo que aqui falamos. Bem entendido, o exemplo e a determinação
           começam sempre nas mãos de que lidera. A postura de vitória e de   A caravela latina, magnificamente utilizada pelos marinheiros portugueses na
           perseverança são, antes de tudo, do próprio líder. Ninguém é líder pelo   época dos Descobrimentos


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