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EvOCAÇõES
o piLÃo e a soCiedade
aLGUmas ReFLeXÕes – ii
Licínio Granada | 19490154
alendo-me das recordações que a corrente impetuosa dos anos conheciam a unidade do planeta e tinham dele uma visão parcelar e
Vainda não apagou do meu arquivo mental, este diletante escriba fragmentada, mas mais extensa do que a da realidade. A esperança de
tem-se empenhado em verter para o papel, factos, sentimentos e emo- vida no século XVIII cifra-se em quarenta e poucos anos, sendo eleva-
ções obrados nesse tempo longínquo em que foi aluno dos Pupilos. Ao do o número de óbitos, cujas causas advinham principalmente do tifo,
delinear esta simples crónica, acompanha-me, antes de tudo, a ideia da da gripe, da disenteria, da varíola, da tuberculose. As ruas de Lisboa
crise que tomou conta dos nossos dias, e que vai arruinando esta so- apresentavam-se sujas e estreitas, ocupadas por ruínas e por mendigos
ciedade onde os sonhos se perdem, o interior se despovoa, a insegu- e a circulação era difícil. Mas as comunicações desenvolvem-se embo-
rança cresce e as novas gerações não nascem, tornando os agregados ra lentamente. Na sua notável obra “A Terceira Vaga”, o autor, Alvin
familiares cada vez mais pequenos, como resultado dum inquietante Toffler, diz-nos que em 1750, um discurso de George Wahsington le-
declínio demográfico. Este declínio produz uma incapacidade de reno- vava semanas ou meses para chegar ao interior dos E.U.A. Porém, em
var gerações que vai tornar-se 1865, já no século seguinte,
grave no futuro. Esperança, só foram precisos doze dias
neste tempo, tornou-se, por para Londres saber que Lin-
isso, um lugar longe de mais, coln havia sido assassinado.
porque nos faltam essencial- A partir daí as comunicações
mente projectos e estadistas, beneficiaram de um acelerado
ainda que sobrem políticos. desenvolvimento, de tal modo
Neste doloroso labirinto onde que os cidadãos das diversas
estamos enleados, resta-nos a nacionalidades passaram a
satisfação de sermos bons estar cada vez mais interliga-
alunos da Europa, que este dos até se integrarem na so-
mérito, sendo de pouca valia, ciedade global de hoje. Com
talvez ninguém no-lo tire. A a emergência de países como
História é uma inesgotável a Rússia e o Brasil e também
fonte de ensinamentos. Mas infelizmente não tem conseguido encontrar das grandes potências asiáticas como a China e a Índia, o futuro da
quem lhe receba as lições que ela encerra. Poderá vir a consegui-lo, se Europa traz-nos novos e complicados desafios.
deixar de ser escrita pela política, mas antes, por historiadores com a
consciência de que, como cidadãos têm legitimamente a sua formação OS DESPOLETANÇOS. Hesitei em escrever esta parte final do
política e ideológica, tal como as suas simpatias e antipatias. Mas não presente artigo. Faço-o de forma despretensiosa e não desejaria que
podem deixar-se influenciar por elas, porque honrando o seu estatuto, nela se vislumbrasse o menor assomo de presunção intelectual da
lhes cumpre cingirem-se à objectividade e à imparcialidade. Entretanto, minha parte. Nada disso! Acontece que algumas vezes dou comigo a
o homem está confrontado com os seus limites, por essa razão, entre pensar na torrente de “despoletanços” advindos dessa perversão se-
aquilo que aqui deixo escrito e o mais que poderia ainda escrever, há mântica que é o verbo “despoletar”, indevidamente usado com o sen-
uma barreira que não devo transpor. tido de “desencadear”. Agora, aparentemente menos, mas até há algum
Apesar de tudo, a vida dos nossos ancestrais, mesmo em tempos tempo, não havia órgão de informação escrito ou falado e até obras de
historicamente não muito remotos, era mais dura e penosa do que a notável valia didáctica, onde esse achado linguístico não estivesse
nossa. Tomemos como exemplo o século XVIII, que foi o século da presente. Se os bondosos autores que se fartam de despoletar, consul-
Revolução francesa e da Revolução americana, as quais afectaram de tassem um dicionário da língua portuguesa, na eventualidade de en-
forma relevante o Império espanhol e o Império português na América. contrarem esse barbarismo, descobririam que ele significa exactamen-
O envolvimento da França na guerra da independência americana con- te o contrário daquilo que pretendem transmitir. “Despoletar” seria pois,
tribuiu para o eclodir da Revolução francesa de 1789. Na segunda tirar a espoleta, travar, tornar impossível o disparo, torná-lo inactivo.
metade do século, começa a Revolução industrial na Grã-Bretanha, o Desta forma, ao quererem exprimir “acção” empregam um vocábulo que
que leva à instalação de fábricas, onde as máquinas substituem as quer dizer “inacção”, assim, dando o mesmo sentido a significados
ferramentas e logo é mecanizada a máquina a vapor. Os E.U.A. e a opostos. Salvo melhor opinião!
Alemanha rivalizam com a Grã-Bretanha, que até 1870 é a primeira Com cordiais saudações pilónicas!
potência mundial..
Os novos filósofos empenharam-se neste século XVIII em substituir
a religião pela ciência e a fé pela razão. Por essa altura, os homens não NOTA: O autor deste texto não adopta o acordo ortográfico.
BOLETIM DA ASSOCIAÇÃO DOS PUPILOS DO EXÉRCITO 9