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CRóNICAs







                                    O discurso dos líderes


                                    políticos


             JACINTO R. DE ALMEIDA
             19520049



                screve-se  e  diz-se  que  a  atual  crise  portuguesa  é  a   Martin. Não delegava a nenhum assessor essa tarefa e cer-
             Emaior da nossa história (o que não é verdade), que é   ta vez desculpou-se: “Peço perdão pelo tamanho do discur-
             a  maior  das  últimas  décadas,  que  é  a  maior  depois  da   so que farei. Não tive tempo de escrever um mais breve”.
             adesão de Portugal à então C.E.E. (o que, sem dúvida, é   As suas palavras tinham força e transmitiam a mensagem
             verdade), que deve ser analisada à luz da grave crise (pro-  certa. De Gaulle inovou na arte da oratória, fazia discursos-
             cesso de acomodação da economia mundial) internacional,   diálogo que impunham uma resposta interior a cada fran-
             que…                                               cês que o ouvia. Lincoln num célebre discurso, no cemité-
                Há perda de soberania, elevação acentuada da taxa de   rio de Gettysburg, de apenas dois minutos com 272 palavras,
             desemprego, desvalorização de ativos patrimoniais, enormes   pronunciou o (considerado pelos especialistas) mais pro-
             dificuldades em baixar o deficit público, queda da arreca-  fundo e sucinto discurso da história americana.
             dação de impostos…em Portugal não se vê luz no fundo   Estamos de acordo que o Presidente da República, o
             do túnel. E os dirigentes políticos no poder multiplicam-se   Primeiro-Ministro, ou o Ministro da Economia não estão à
             em declarações e são cada dia mais vaiados pela população   altura de Churchill, de de Gaulle ou de Lincoln. Mas sur-
             quando aparecem em público. O que é que o Presidente   giu nas últimas décadas a figura do ghost-writer, o sujeito
             da República, o Primeiro-Ministro, o Ministro da Economia   que escreve textos por encomenda que são imortalizados
             e  outros  dizem  que  leva  a  população  a  vaiá-los?  Porque   por  outros  (no  caso,  os  dirigentes  políticos).  Os  ghosts
             Abraham Lincoln durante a Guerra Civil americana, Wins-  passaram  a  circular  pelos  gabinetes  do  poder  por  esse
             ton  Churchill  durante  a  II  Guerra  Mundial,  Charles  de   mundo  fora.  Peggy  Noonan,  jornalista  norte-americana,
             Gaulle no exílio em 1940, enfrentando períodos de crises   assessora de Ronald Reagan, com o seu texto e o talento
             nacionais que abalaram o mundo (para além de outros lí-  oratório do Presidente, fez chorar os veteranos da II Guer-
             deres políticos em situações extremamente difíceis) com   ra Mundial que assistiram a uma cerimónia no alto de uma
             os seus discursos e declarações mostraram capacidade de   falésia em Pointe du Hoc. E ela fez vinte versões que deram
             fixar (para sempre) o espírito do seu tempo? E como con-  origem a um célebre discurso de Reagan, em Berlim: “Sr.
             seguiram unir os seus povos em vez de os dividirem?  Gorbachev,  abra  o  portão,  derrube  este  muro”.  Jonathan
                Na perspetiva do filósofo escocês Georges Campbell,   Favreau, com 30 anos, é diretor do Departamento de Dis-
             conhecido teólogo e educador do século XVIII, a arte da   cursos da Casa Branca do Presidente Obama e, ganha 172
             retórica  teria  como  meta,  quatro  objetivos:  iluminar  a   mil dólares por ano (embora não consiga alterar a taxa de
             compreensão, aguçar a imaginação, mover a paixão e in-  desemprego do país) para pôr na boca do Presidente dos
             fluenciar a determinação. Ocorre-me que o Presidente da   E.U.A. as palavras certas no momento certo. Creio ter sido
             República, que com o peso das suas palavras pode influen-  Jonathan que tratou da apropriação do Yes, we can (Sim,
             ciar rumos e políticas do governo, queixou-se publicamen-  nós podemos) da campanha de Obama. Um livro, “White
             te do valor da (s) sua (s) pensão (ões) de reforma e creio   House Ghosts” de Robert Schlesinger (filho do historiador
             (não estava muito atento) que esse foi o motivo por que   Arthur Schlesinger Jr., ghost de John Kennedy), um manu-
             sofreu vaias e apupos da população. E o Primeiro-Ministro   al sobre esta atividade devia estar na mesa-de-cabeceira dos
             por  ter  prometido  que  não  aumentaria  impostos  se  os   dirigentes políticos portugueses neste momento tão difícil.
             partidos que o apoiaram ganhassem as eleições foi vaiado   Arthur Larson, talentoso assessor de Einsenhower, que
             e o Ministro da Economia… e…                       sabia  extrair  o  que  havia  de  melhor  no  pensamento  do
                Churchill, um mestre da artilharia política, desmaiou   presidente dos E.U.A., afirmou que o processo de prepa-
             na  primeira  vez  em  que  discursou  da  tribuna,  mas  mais   ração de um discurso presidencial destinado a defender a
             tarde, no período dos grandes discursos de guerra (trans-  implementação de uma determinada política assemelha-se
             mitidos pela rádio) ele ditava, escrevia, ensaiava, reescrevia   à  montagem  de  um  esqueleto  de  dinossauro  a  partir  do
             e,  neste  processo,  gastava  cerca  de  uma  hora  para  cada   fragmento de um osso. É suficiente uma única pista, uma
             minuto de oratória (trinta horas de trabalho para cada meia
             hora de discurso), segundo o seu secretário particular, John              (continua na página seguinte)



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