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POEsIA (cont.)
No leiloar da vida
Enviado por António José Barradas Barroso
Poema de EGAS DE BASTOS, extraído do seu livro “No leiloar da vida”
(19350813)
aqueles versos cantavam rouxinóis e madrugadas
que fiz e já não faço arrebóis de Maio
não os ensombrava a pomba de Picasso neves de Natal
nem os filmes de Charlot arco-íris de franjas de cristal
nem o drama de Anne Frank beijos sem pecado
nem a morte de um negro que roubou um dólar – simplesmente beijos –
nem a história dos meninos Deus sem inferno
que vendem lotaria à porta dos cinemas – unicamente Deus –
sem poderem entrar aleluias
nem das mulheres que vendem amor – naturalmente aleluias –
sem ter amor para dar... sem estrofes e músicas estudadas...
*** ***
aqueles versos aqueles versos
que fiz e já não faço não me pertencem mais...
eu não os nego vendi-os às mulheres
eram bem meus... no leiloar do amor
quando o prazer é cansaço...
havia neles
primaveras perdi-os na feira da vida
poesias na negação da amizade
céus quando o sentir é fracasso...
loucuras lindas
a espraiarem-se além dos horizontes ***
e indo
indo mundo fora ficaram-me com eles os vagabundos
alcançando as estrelas com o olhar que dormem ao luar
fazendo delas a luz do meu altar... e nada mais têm nem querem
que versos para cantar...
aqueles versos
que fiz e já não faço ***
falavam de lendas e de fadas
de sonhos e de esperanças rasgaram-mos os oprimidos
de contos de ninar e os famintos
de mulheres sem mágoas fartos da liberdade de sonhar
de homens sem medo e tornei-me como eles deserdado...
de crianças sem fome
do mundo sem guerras deixei de ser poeta...
e amor sem fronteiras...
quebrei meu fado...
***
Egas de Bastos
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