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cuLTuRA E cONhEcImENTO (cont.)
Távora e da sua condição aristocrática, Pedro foi aluno do Tendo participado na 3.ª Invasão a Portugal, a regência
falhado Real Colégio dos Nobres (obra do Conde de de Lisboa, privou-o dos títulos, honras e dignidades e até
Oeiras e parte do seu projecto de renovação do ensino em do nome de português, oferecendo ao mesmo tempo uma
Portugal) e da reaberta Universidade de Coimbra (após a recompensa monetária a quem, vivo ou morto, o apresen-
erradicação da Companhia de Jesus e dos seus métodos), tasse, além do perdão no caso de ser seu cúmplice no
tendo-a posteriormente abandonado para abraçar a car- crime de traidor à pátria. Seguiu-se depois um processo
reira das armas, assentando praça no Exército. em Juízo de Inconfidência onde o condenaram à morte
Entretanto, Sebastião José de Carvalho e Melo sempre em cadafalso alto no cais de Belém, autorizando qualquer
rodeou Pedro com simpatia (o que sempre apoquentou do povo a dar a morte ao réu.
D. João de Almeida Portugal pela influência que o minis- A derrota de Massena no Buçaco e a impossibilidade
tro poderia ter no espírito ainda jovem do seu filho). Ao de transpor as chamadas Linhas de Torres Vedras que
mesmo tempo, o Conde de Oeiras preocupou-se em ga- defendiam Lisboa, propiciou o regresso a França do 3.º
rantir para a sua prole oportunos matrimónios em casas Marquês de Alorna Alorna. Por decreto assinado por Na-
abastadas e da alta nobreza, mesmo que ligadas às famílias poleão em 21 de Março de 1812, o Inspector-Geral da
cujos chefes impiedosamente perseguira e eliminara. Legião Portuguesa, Marquês de Alorna, foi promovido a
Envolvido por um enredo permanentemente minado General de Divisão ao serviço da França. Tendo seguido
por intrigas, maldições e invejas, D. Pedro de Almeida com o regimento de cavalaria na retaguarda da Grande
Portugal, 3.º Marquês de Alorna, protagonizou os episódios Armée, e chegado à Lituânia, Napoleão confiou-lhe o
políticos mais marcantes do seu tempo. Tendo sempre comando e governo da praça-forte de Mogilev, onde se
servido como um excelente Oficial nas funções para as manteve até que o Imperador se viu obrigado a recuar de
quais foi nomeado, contudo, escassas vezes viu esse méri- Moscovo, naquela que foi uma retirada de morte, de de-
to reconhecido como merecia. Militar visionário e idea- solação e de desespero, a uma cadência alucinante.
lista, elaborou aprofundados estudos sobre o Exército e Foi com enorme perplexidade que D. Pedro de Almeida
tentou alertar superiormente para a urgente necessidade Portugal viu o deplorável estado do exército que tinha
de o reformar, motivando-o e modernizando-o nas suas deixado, tão aprumado e bem uniformizado havia quatro
estruturas e recursos. Nunca encontrou caminho fácil para meses. Nas margens do Dniepre, foi juntar-se aos restos da
fazer valer as suas propostas e várias vezes se empenhou Grande Armée e mais uma vez mostraria o seu valor ao
– mesmo financeiramente – para cumprir fielmente (e até apoiar, de forma abnegada, vários militares portugueses.
mais longe do que lhe pediam) as ordens que lhe acome- Acompanhando a retirada, chegou a Könisberg nos últimos
teram. Ainda assim, viu frequentemente as suas expecta- dias de Dezembro de 1812, já muito doente, sendo que
tivas goradas, fosse por inépcia dos seus superiores ou viria a falecer “às dez da manhã do dia 1” de Janeiro de
fosse por deliberada intenção em prejudicá-lo. A culpa 1813. Sabe-se que quando se realizou o seu enterro, já os
hereditária que trazia, tal como um estigma acusador no cossacos estavam muito próximo, pelo que ficou privado da
seu nome e sangue, nunca o abandonariam. Tal como última homenagem a que lhe dava direito a sua graduação.
havia referido seu pai, “nunca te deixarão levantar muito Ficou a certeza de que poderia ter prestado outros
a cabeça, porque assim se costuma praticar com os homens serviços ao seu país, se o governo em 1808 tivesse, como
que, em si, ou nas suas famílias, foram gravemente maltra- era justo, exigido na Convenção de Sintra o regresso da
tados. Para tudo quanto houver de melhor serás sempre Legião a Portugal. Em consequência da dedicação inefável
preterido, choverão sobre ti as injúrias, e não terás nunca a da sua irmã – Marquesa de Alorna – e da política de con-
mínima liberdade para fazer coisa que preste”. ciliação seguida por D. João VI, alcançou-se uma sentença
Foi Comandante da Legião das Tropas Ligeiras (também que o julgou sem culpa e reconheceu a iniquidade da
conhecida por Legião Alorna) e Governador de Armas da sentença que o havia considerado traidor à pátria, quando
Província do Alentejo. Sendo Tenente-General do Exérci- fora a pátria que primeiro dele se esquecera. A sua memó-
to, distinto pelos grandes talentos militares, circunstâncias ria foi reabilitada e o título restaurado, tendo sido ilibados
várias levaram-no, bem assim como muitos outros dos seus todos aqueles que com Alorna tinham sido condenados.
companheiros de armas, a juntarem-se aos franceses e a
Napoleão, para combater na Europa. Importa dizer que Bibliografia
a Legião Portuguesa tinha sido criada por Junot para re- BONAPARTE, Napoleão (2003). Como Fazer a Guerra, Lisboa,
Edições Sílabo
crutar soldados para os exércitos franceses, mas também NORTON, José (2007). O Último Távora, Lisboa, Dom Quixote
– e esse seria um dos fins principais – para afastar de NORTON, José (2008). Marquês de Alorna – Memórias Políticas,
Portugal os militares mais competentes e habituados à Lisboa, Tribuna da História
disciplina militar, enviando-os para ao centro das hostes NORTON, Manuel Artur (1967). D. Pedro de Almeida Portugal,
Lisboa, Agência Geral do Ultramar
napoleónicas, pois a sua permanência em Portugal poderia SANTOS, Guilherme G. de Oliveira (1979). O Processo dos Távo-
ser bastante nociva aos invasores. ras: a importância do processo revisório, Lisboa, Livraria Portugal
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