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cuLTuRA E cONhEcImENTO (cont.)





           concentrados na costa litoral atlântica e no Sul. O certo   Não. Muito pelo contrário. A legislação que progressi-
           é que funcionaram até ao final dos anos noventa, durante   vamente os anos 95 e 97 do século passado viram adotar
           quase duas décadas, sem qualquer regulamentação espe-  no domínio dos parques aquáticos passou a ser de enorme
           cífica, uma vez que a matéria dos recintos públicos – que   severidade. Julgo – a título pessoal – que o atraso na le-
           os contemplava enquanto categoria genérica – datava, na   gislação  sobre  os  parques  aquáticos  se  ficou  a  dever  a
           última intervenção legislativa, de 1959. Isto sem embargo   fortes pressões políticas; uma vez que a existência de lei
           de  o  Estado  legislador  saber  tratar-se  de  uma  atividade   implicaria – como veio a suceder – a necessidade de im-
           perigosa e causadora de sinistros variados em cada época   plementar alterações que, a inexistirem, teria como con-
           balnear, incluindo assinalável e preocupante domínio da   sequência o encerramento do maior número de parques
           mortalidade infantil.                              de diversões deste tipo, desde sempre a funcionar em roda
                                                              livre.
                                                                 Talvez por essa razão o quadro normativo atualmente
           4.  Houve algum acontecimento marcante no âmbito das   existente se apresente exaustivo e com cuidado e rigor no
             atividades de diversão aquática?                 que diz respeito aos padrões e exigências de segurança, o
                                                              que inclui as piscinas públicas, caso se encontrem no in-
              No verão de 1993, mais propriamente a 27 e a 29 de   terior de recintos de diversões aquáticas. Caso contrário
           julho desse ano, duas crianças foram engolidas e brutal-  – por muito estranho e absurdo que pareça – as piscinas
           mente esmagadas pelos canais de aspiração de um circui-  perdem a proteção legal, por carecerem de legislação es-
           to  hidráulico  recreativo,  no  Aquaparque  do  Restelo,  em   pecificamente aplicável.
           Lisboa, cujo interior funcionava sem a devida proteção de
           segurança.
              Fui  encarregue  de  acompanhar  esse  caso  enquanto   7.  Porque inexiste uma lei específica dirigida às piscinas
           Advogado e, mais tarde, intentei uma ação de responsabi-  públicas?
           lidade civil extracontratual contra o Estado Português, com
           base na omissão legislativa em matéria de parques aquáticos,   Não  se  entende. Trata-se  de  uma  atividade  perigosa,
           que veio a terminar, com sucesso, quase dez anos depois.  que leva à morte de mais crianças (e adultos) nas piscinas
                                                              públicas do que nas praias portuguesas. Existe, inclusiva-
                                                              mente,  preocupação  normativa  se  estiverem  em  causa
           5. O problema devia-se à falta de lei?             piscinas privadas, com cuidados especiais em termos de
                                                              vedações de proteção, instalações elétricas, qualidade dos
              É  evidente  que  os  parques  aquáticos  são  realidades   pisos, da água, etc. Mas piscinas públicas, nada!
           antigas e que receberam ao longo dos anos um tratamen-  Ou existe outro meio de pressão para que se atrase a
           to minucioso e detalhado no estrangeiro e em países onde   entrada  em  vigor  da  lei  –  quer  terá  de  acarretar  gastos
           foram tendo assinalável crescimento como fator de diver-  com estruturas de apoio e de segurança e com a manu-
           são alternativo às praias. Parece indiscutível que, ao serem   tenção e treino de nadadores-salvadores e socorristas em
           implementados entre nós, foram recebendo o conhecimen-  regime de permanência – ou então estamos, mais uma vez,
           to então adquirido por técnicos estrangeiros especializados   perante  um  Estado  que,  tão  preocupado  está  com  as
           e reputados na matéria. No entanto, isso não impediu, à   questões económicas e financeiras do momento, que des-
           boa maneira portuguesa, que se fosse poupando no nú-  cura, de forma elementar, desde há muitos anos, os seus
           mero necessário de máquinas, nas potências dos motores,   deveres de zelador para com o bem comum, renegando a
           na redução dos caudais de água, nas superfícies de desli-  criação de normas legais pertinentes e exigíveis.
           zamento, na qualidade das águas, na insufiência e falta de   A verdade é que custa assistir à demanda das piscinas
           treino em termos de vigilância, etc., com a proteção de-  públicas inseridas em empreendimentos turísticos, cadeias
           vida ao vazio legal então existente.               de hotéis, recintos desportivos, e outros, frequentados por
              É  indiscutível  que  não  é  a  falta  de  lei  que  isenta  o   centenas de crianças sem o mais pequeno cuidado no que
           estabelecimento de regras de segurança apertadas; mas é   diz respeito a elementares regras de segurança destinadas
           do senso comum que incentiva a existência de um quadro   à proteção de um meio tão hostil para o ser humano, como
           de deficiências que é, ao mesmo tempo, potenciado por   é o meio aquático!
           toda  uma  cultura  de  insegurança  tão  característica  dos
           países da Europa.

                                                              Nota: O texto foi elaborado com base na versão da norma europeia
                                                              da  língua  portuguesa  constante  do Acordo  Ortográfico  da  Língua
           6.  A  legislação  específica  sobre  parques  aquáticos  veio   Portuguesa,  assinado  em  Lisboa  em  16.12.1990  e  em  vigor  desde
             resolver o problema das piscinas públicas?       01.01.2010.


                                                                             Boletim da Associação dos Pupilos do Exército  |  47
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