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EVOcAÇÕEs (cont.)





           defenderem,  terem  de  fechar  as  camaratas,  colocando   – Quem não se lembra da “pedagógica” hora de estudo
           beliches e armários metálicos junto às portas, servindo este   antes  do  pequeno-almoço,  tão  produtiva  que,  quando
           mobiliário de entrave à entrada e “ataque” dos mais velhos?  terminava, os alunos mais esfomeados saltavam pela jane-
              – Quem não se lembra das portas das camaratas serem   la  em  vez  de  saírem  pela  porta  da  sala,  para  serem  os
           bastante altas e possuírem no topo uma janela de venti-  primeiros a tomar a refeição?
           lação, a que chamávamos bandeira, e ser exactamente por   – Quem não se lembra de nas viagens de autocarro TP
           aí  que  a “força  bruta”  dos  mais  velhos  abria  brechas  e   54 (Transporte de Pessoal, 54 lugares), um aluno cantar
           conseguia entrar no reduto dos mais novos?         algumas quadras, as quais tinham entre versos um refrão
              –  Quem  não  se  lembra  de,  depois  de  removidos  os   cantado  em  coro  pelos  restantes,  refrão  do  qual  ainda
           obstáculos à entrada, os mais velhos desmancharem camas,   recordo hoje as frases: “Ai solidão, solidão…” e “Ai, ai ai,
           espalharem pelo chão lençóis e cobertores, atirarem almo-  ai ai…”?
           fadas  e  colchões  para  a  piscina  que,  felizmente,  e  para   – Quem não se lembra do famoso grito de guerra:  “É
           sorte dos mais pequenos, não tinha água por esses dias?  Jacaré?  Não  é.  É  Perdigão? Também  não.  Então  o  que  é?
              – Quem não se lembra de, numa noite já próximo do   IPE, IPE, IPE…” que tantas vezes usávamos para incenti-
           Carnaval, em jeito de início das hostilidades carnavalescas   var  os  alunos  que  participavam  em  jogos  de  futebol  e
           por parte dos mais velhos, as botas dos mais novos desa-  noutras  actividades  interescolares,  sem  conhecermos  à
           parecerem  das  camaratas  e  madrugarem  penduradas  de   época a sua origem?
           forma desordenada nos ramos das árvores da parada, que   – Quem não se lembra da célebre frase:  “nos Pupilos
           mais pareciam árvores de Natal?                    não é preciso correr para apanhar ninguém” dita pelos mais
              – Quem não se lembra das toalhas de banho molhadas   velhos  aos  mais  novos  quando  estes  não  acatavam  ou
           e enroladas em forma de moca, duras como pedra, e das   desapareciam sem cumprir uma ordem qualquer?
           batalhas campais que com elas fazíamos na parada, sob a   – Quem não se lembra dos assaltos ao refeitório e de
           anuência do Oficial de Dia e colaboração do Corneteiro   outras milhentas coisas que se faziam por lá?
           de serviço?                                           Se no início dos anos 70, quando entrei para os Pupi-
              – Quem não se lembra de, um lado da parada se po-  los, soubesse como nasce um paradigma e tivesse questio-
           sicionarem  os  alunos  mais  velhos  para  lutarem  contra   nado os alunos mais velhos por que motivo actuavam da
           todos os outros e de estas batalhas campais que começa-  forma como actuavam e faziam as coisas que faziam, estou
           rem ao toque de clarim terem, passados poucos segundos,   seguro de que a resposta seria exactamente igual àquela
           um batalhão inteiro à pancada, batalha que só terminava   que os cientistas pensavam receber se os intervenientes
           com novo toque, após alguns feridos terem sido retirados   da experiência falassem:
           do campo, e do Oficial de Dia entender por bem que já   “Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui…”
           chegava de “mocada”?                                  Se em meados dos anos 80, quando saí dos Pupilos, já
              – Quem não se lembra daquela pergunta típica feita   soubesse como nasce um paradigma e me tivessem per-
           à segunda-feira: “quem passou cá o fim-de-semana?”, e de,   guntado se sabia como tinha nascido aquele em que tinha
           por  esta  única  razão,  se  ver  envolvido  em  inquéritos  e   vivido durante 12 anos, e por que motivo os alunos mais
           averiguações  devido  às  asneiras  cometidas  por  terceiros   velhos  actuavam  da  forma  como  actuavam  e  faziam  as
           durante o fim-de-semana?                           coisas  que  faziam,  a  minha  resposta  seria  exactamente
              – Quem não se lembra de, nestes inquéritos, só poder   igual  àquela  que  os  cientistas  pensavam  receber  se  os
           responder  depois  de  colocar  a  mão  direita  em  cima  da   intervenientes da experiência falassem:
           Bíblia e ter sobre ela jurado dizer a verdade e só a verdade?   “Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui…”
              – Quem não se lembra de ter ficado 6 dias privado de
           sair nas férias da Páscoa, pelo simples “crime” de ter ido
           jogar futebol para o ginásio durante um fim-de-semana?
              –  Quem  não  se  lembra  das  famosas  reuniões  da  1ª
           Companhia quando um aluno se queixava de lhe ter de-
           saparecido algum pertence?
              – Quem não se lembra de, em fila indiana, cada ele-
           mento da Companhia apanhar meia dúzia de bofetadas
           de um graduado apenas porque o pertence ainda não tinha
           aparecido?
              – Quem não se lembra dessas reuniões se repetirem
           durante dias a fio, (com dose redobrada de bofetada), até
           que  o  dito  pertence  aparecesse  ou  o  dono  chegasse  à
           conclusão de que o tinha perdido noutro lugar qualquer?  Acampamento em Aljubarrota – 14 de Junho de 1978



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