Page 22 - Boletim APE_226
P. 22

EVOcAÇÕEs











                                  O Obus


           RUI CABRAL TELO
           19480265




                s  capitães  comandantes  de  companhia,  em  Nam-  talvez toldado pelos gases alcoólicos, começou por fazer
           Obuangongo, gostavam imenso de convidar o capitão   uma  má  manobra  e  mesmo  à  saída  do  arame  farpado,
           da Intendência para os acompanhar numa ou outra missão.   pregou com o unimog dentro da valeta da picada, só não
           Talvez tivessem em mente colocar à prova militares que   se voltando porque o obus atrelado compensou a inclina-
           como eles tiveram aulas de táctica e intervieram em exer-  ção e o velho burro do mato ficou totalmente inclinado
           cícios de combate mas que não tinham obrigatoriedade   com duas rodas no ar.
           de  participar  em  missões  operacionais.  Uma  noite  fui   Com a barulheira que fizemos para tirar dali aquela
           convidado  por  um  deles  a  jantar  na  sua  Companhia  e   composição, o factor surpresa perdeu-se completamente
           finda a refeição convidou-me a participar num acompa-  e eu aproveitei para fumar borrifando-me que os “turras”
           nhamento de segurança à deslocação de um obus de arti-  vissem o morrão do cigarro. Que se lixasse! A surpresa já
           lharia,  um  velho  8,8  dos  tempos  da  2ª  guerra  mundial,   se fora. Tirámos o ébrio capitão do volante e foi um alfe-
           para fazer uns tiros destinados a um local onde os aviões   res do pelotão de manutenção auto, convidado como eu,
           tinham localizado umas lavras recentes. O local escolhido   que tirou dali o unimog e o respectivo obus. Chegámos
           pelos artilheiros para colocar o obus em posição de tiro,   ao local lá para as 23h completamente estafados e total-
           ficava uns quatro ou 5 km de Nambo na estrada Nam-   mente  enlameados.  Dividimo-nos  em  dois  grupos,  um
           buangongo-Zala, conhecida pelas constantes emboscadas   acompanhando  o  obus  e  outro  para  fazer  segurança.
           sofridas  pelas  nossas  tropas.  Saímos  aí  pelas  21h  numa   Optei por este. Um alferes da companhia comandava essa
           GMC à frente do Unimog (burro do mato) que rebocava   secção. Seríamos talvez uns 7, dois oficiais e 5 soldados.
           o obus. Procurou-se não fazer demasiado ruído e marchá-  Enquanto subíamos o morro, às escuras e em completo
           mos de luzes totalmente apagadas. O capitão, um milicia-  silêncio, começou a chover. Chegados lá acima tomámos
           no que mais tarde cursou a AM acabando por morrer em   posições  afastados  alguns  metros  uns  dos  outros  e  eu
           Moçambique já como oficial do quadro, abusou um bo-  comecei novamente com uma vontade enorme de fumar.
           cado dos copos ao jantar e, resolveu ser ele a conduzir o   Entretanto o obus subia o morro em frente para tomar a
           Unimog. Eu ia à frente na carroçaria da GMC de G3 nas   posição de tiro onde os artilheiros tinham tirado as coor-
           mãos e chateado que nem um peru por não poder fumar   denadas. O capim começou a ficar demasiado molhado e
           o meu cigarro. O “nosso” capitão valente e operacional,   o unimog, a meio do monte, começou a derrapar.
                                                                                  No  morro  onde  me  encontrava
                                                                               emboscado,  chateado,  molhado  e
                                                                               cheio de vício para fumar, comecei a
                                                                               ouvir ronronar perto de mim. Arras-
                                                                               tei-me pelo capim e fui dar com um
                                                                               soldado deitado completamente en-
                                                                               charcado  dormindo  a  sono  solto.
                                                                               Enfiei-lhe um abanão que o tipo deu
                                                                               um urro tal que se deve ter ouvido
                                                                               no  morro  da  frente.  O  alferes  apa-
                                                                               receu perguntando-me o que aconte-
                                                                               cera.
                                                                                  – Olhe lá! Os seus homens vêm
                                                                               para aqui dormir? Olhe que os mili-
                                                                               tares  lá  do  meu  destacamento  são
                                                                               muito  mais  conscientes  e  nunca  os
                                                                               apanhei a dormir em serviço. Veja lá
                                                                               se toma providências.



           20  |  Boletim da Associação dos Pupilos do Exército
   17   18   19   20   21   22   23   24   25   26   27