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EVOcAÇÕEs
O Obus
RUI CABRAL TELO
19480265
s capitães comandantes de companhia, em Nam- talvez toldado pelos gases alcoólicos, começou por fazer
Obuangongo, gostavam imenso de convidar o capitão uma má manobra e mesmo à saída do arame farpado,
da Intendência para os acompanhar numa ou outra missão. pregou com o unimog dentro da valeta da picada, só não
Talvez tivessem em mente colocar à prova militares que se voltando porque o obus atrelado compensou a inclina-
como eles tiveram aulas de táctica e intervieram em exer- ção e o velho burro do mato ficou totalmente inclinado
cícios de combate mas que não tinham obrigatoriedade com duas rodas no ar.
de participar em missões operacionais. Uma noite fui Com a barulheira que fizemos para tirar dali aquela
convidado por um deles a jantar na sua Companhia e composição, o factor surpresa perdeu-se completamente
finda a refeição convidou-me a participar num acompa- e eu aproveitei para fumar borrifando-me que os “turras”
nhamento de segurança à deslocação de um obus de arti- vissem o morrão do cigarro. Que se lixasse! A surpresa já
lharia, um velho 8,8 dos tempos da 2ª guerra mundial, se fora. Tirámos o ébrio capitão do volante e foi um alfe-
para fazer uns tiros destinados a um local onde os aviões res do pelotão de manutenção auto, convidado como eu,
tinham localizado umas lavras recentes. O local escolhido que tirou dali o unimog e o respectivo obus. Chegámos
pelos artilheiros para colocar o obus em posição de tiro, ao local lá para as 23h completamente estafados e total-
ficava uns quatro ou 5 km de Nambo na estrada Nam- mente enlameados. Dividimo-nos em dois grupos, um
buangongo-Zala, conhecida pelas constantes emboscadas acompanhando o obus e outro para fazer segurança.
sofridas pelas nossas tropas. Saímos aí pelas 21h numa Optei por este. Um alferes da companhia comandava essa
GMC à frente do Unimog (burro do mato) que rebocava secção. Seríamos talvez uns 7, dois oficiais e 5 soldados.
o obus. Procurou-se não fazer demasiado ruído e marchá- Enquanto subíamos o morro, às escuras e em completo
mos de luzes totalmente apagadas. O capitão, um milicia- silêncio, começou a chover. Chegados lá acima tomámos
no que mais tarde cursou a AM acabando por morrer em posições afastados alguns metros uns dos outros e eu
Moçambique já como oficial do quadro, abusou um bo- comecei novamente com uma vontade enorme de fumar.
cado dos copos ao jantar e, resolveu ser ele a conduzir o Entretanto o obus subia o morro em frente para tomar a
Unimog. Eu ia à frente na carroçaria da GMC de G3 nas posição de tiro onde os artilheiros tinham tirado as coor-
mãos e chateado que nem um peru por não poder fumar denadas. O capim começou a ficar demasiado molhado e
o meu cigarro. O “nosso” capitão valente e operacional, o unimog, a meio do monte, começou a derrapar.
No morro onde me encontrava
emboscado, chateado, molhado e
cheio de vício para fumar, comecei a
ouvir ronronar perto de mim. Arras-
tei-me pelo capim e fui dar com um
soldado deitado completamente en-
charcado dormindo a sono solto.
Enfiei-lhe um abanão que o tipo deu
um urro tal que se deve ter ouvido
no morro da frente. O alferes apa-
receu perguntando-me o que aconte-
cera.
– Olhe lá! Os seus homens vêm
para aqui dormir? Olhe que os mili-
tares lá do meu destacamento são
muito mais conscientes e nunca os
apanhei a dormir em serviço. Veja lá
se toma providências.
20 | Boletim da Associação dos Pupilos do Exército