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                  Vida de Cadete de 1º ano



                                            da Escola Naval


                                                                                                 GONÇALO CRUzEIRO
                                                                                                       20070207




             á passaram alguns meses desde que ingressei na Escola   a conhecer um pouco da cultura cabo-verdiana, que os meus
           JNaval (EN), o que me permite relatar-vos um pouco da   camaradas PALOP’s contam. Mas existe uma outra amiza-
           vida dos “mansos” / “cébia” ou “mancebia” (equivalente aos   de, que começa no “exterior” desses EEM’s e que se forta-
           “infras” da Academia Militar), ou seja os cadetes de 1º ano.  lece  ainda  mais  no  seu “interior”…  podem  não  acreditar,
              Todos sabem ou pelo menos tem uma noção de que não   mas é a mais pura das verdades… e quando lá chegarem
           é fácil ser-se cadete de 1º ano de qualquer um dos Estabe-  vão reparar  nisso.  Irão  criar laços  de  amizade  que muitas
           lecimentos de Ensino Militar, existem as “tradições” que se   vezes  chega  quase  a  uma “irmandade  de  sangue”  com  os
           mantêm e que muitas vezes para quem é “manso” são de   ex-alunos do Colégio Militar. Muitas vezes vão precisar de
           certo modo, digamos, aborrecidas. Depois existe a exigência   desabafar  com  alguém,  vão  olhar  para  todos,  mas  aquele
           no ensino “literal” (as matemáticas – análise matemática I   que melhor vos vai compreender vai ser o do CM.
           e álgebra –, a programação e eventualmente uma ou outra   Outra amizade, extremamente importante, é a que se
           disciplina) costumam ser grandes dores de cabeça, a com-  tem com o REP da camarata e com os restantes, claro (o
           ponente físico-militar que é necessário desenvolver e que   REP  é  o  repetente).  Será  talvez  aquele  que  vos  dará  os
           desgasta uma pessoa. Tudo isso são factores que nos fazem   conselhos mais úteis, que vos vai dar “aquela” palavra depois
           muitas vezes não ter sequer vontade de abrir mais que uma   de situações mais incómodas, é aquele que vos vai impedir
           “nesga” os olhos e, consequentemente dificulta o estudo.   de cometer alguma parvoíce.
              Depois da formatura do recolher, vamos para as cama-  O Cadete Enquadrante (Cadete de 4º ano responsável
           ratas  onde  sempre  que  podemos  tentamos  estudar  um   pelos “mansos” da sua camarata e pela sua “introdução” à
           pouco mais se bem que quando os olhos começam a obser-   vida  e  tradições  da  EN),  também  é  alguém  com  quem
           var as camas a reacção imediata seja “mergulhar” nos lençóis.   vocês (caso vão para a EN) vão ter que lidar. É um indivi-
           Por norma, na camarata em que estou, esperamos todos uns   duo  por  quem  vocês  devem  ter  o  máximo  de  respeito
           pelos outros para ir “pró choco”, isso quer se queira quer   porque é aquele que vai conviver com vocês mais tempo
           não, fortalece ainda mais os laços de amizade. Nos testes   e que mais vos poderá ajudar no futuro, como Oficial. O
           repete-se a mesma situação. Tentamos ficar sempre todos   Cadete Enquadrante é uma espécie de “graduado”.
           juntos. Nas refeições geralmente existem cadetes mais an-  Em suma, isto é uma parte mínima do que é um “man-
           tigos que pedem para ficarmos nas suas mesas de modo a   so”... o resto fica para aqueles que tiverem vontade de “do
           que nos possam conhecer um pouco melhor.           mar  viver  para  a  Pátria  servir”  descobrirem.  É  duro,  mas
              Basicamente esta é a rotina diária a que um “manso” se   vocês sê-lo-ão ainda mais!!! Continuem a fazer embarques
           sujeita.                                           aos fins-de-semana… pelo menos no dia em que embarquei
              No meu caso, a situação vai um pouco negra: já tenho   com os “putos” Marques 185 e Cruz 191, TCOR Campos e
           negativas “a mais”. Muitas vezes, temos a sensação que um   a Presidente da Associação de Pais e Encarregados de Edu-
           teste correu bem e no final a nota desilude… “costuma ser   cação (salvo erro) fizeram todos uma excelente figura, come-
           habitual”, dizem os mais experientes. Não é vergonha ne-  çando pelo facto de não terem enjoado e terem proporcio-
           nhuma admitir, que a palavra “desistir” não tenha passado   nado um excelente convívio entre “terráqueos” e “maremotas”.
           na  minha  e  de  muitos  outros  camaradas  meus,  e  é  nesta   AH!! Mais um pequeno conselho, para os mais novos:
           altura que me lembro disto: o meu primeiro ano no Pilão   não  são  as  personagens  de  videojogos  de  guerra,  com  os
           também  começou  com  “malagueiro”  (tempestuoso)  mas   fuzileiros especiais, os rangers e comandos que determinam
           com o tempo, foi amainando até que o Sol acabou por sor-   a  vossa  vida:  eles  são  tipo “Chuck  Norris”,  podem  estar
           rir, no final do secundário. Nas horas mais negras, é sempre   cravejados de balas, mas sobrevivem, e quando “morrem”
           uma fonte de alívio/inspiração e de certo modo um refúgio   ressuscitam  instantaneamente. A  vida  não  é  assim  e  vão
           que se cria para mais facilmente superar o que há-de vir.  percebê-lo assim que entrarem nos EEM’s.
              Pois bem, gostava agora de vos falar um pouco das ami-  Para os outros, só digo: Estudem!!! Já basto eu não estar
           zades. Tal como no Pilão, vão conhecer camaradas de todos   lá muito bem em termos académicos, não precisam vocês
           os sítios, Porto, Bragança, Coimbra, Lisboa, Ferreira do Alen-  de fazer esta figura.
           tejo, Loulé, Faro, Câmara de Lobos (ilha da Madeira) e da   Como disse anteriormente, pensar em “desistir” é fácil,
           ilha Terceira (Açores), Bissau (Guiné-Bissau), Luanda (An-  desistir ainda é mais fácil…mas vou resistir, para oferecer
           gola), ilha de Santiago (Cabo Verde)… são os locais de onde   a “prenda” que o TCOR Campos me falou no embarque:
           alguns camaradas meus são originários. Por exemplo eu fiquei   a passagem para o 2º ano, pois QUERER É PODER!


                                                                             Boletim da Associação dos Pupilos do Exército  |  13
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