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evocações




           TeoDoro riTA
           19410043
                                     remexendo as cinzas do passado…







                os fins de 1948, em que fui finalista e já com todos   que Sanches da Gama, filho do Coronel de Engenharia
           Nos estudos e estágios finalizados, passei de pupilo a   Sanches da Gama que fora nosso professor das cadeiras
           ex-pupilo. Senti então, algo de estranho, indefinido, que   anuais de Química e Laboratório de Química do primei-
           não era alegria, nem tristeza, nem ainda a saudade à qual   ro ano e da cadeira bianual de Hidráulica Geral e Apli-
           o Prof. Berger se referira, mas talvez um receio de desam-  cada  do  terceiro  e  quarto  anos,  e  era  então  Director
           paro… (Pois em 1944, falecera o meu pai, Vitor Manuel   Geral do Fomento Colonial, além de grande especialista
           Rita, sargento de infantaria que, no 9 de Abril de 1918   em Hidráulica Marítima, cujas sebentas ainda religiosa-
           “trocara” um braço que lá deixou (cortado perto da omo-  mente guardo.
           plata), por 4 grandes cicatrizes em luta “corpo a corpo”,   O Paulo (o ex-aluno 88) do nosso IPE, trazia-me um
           mais, entre outras, a cruz de guerra de 2ª classe (na qual   recado do pai: Porque, para politicamente, acelerarem as
           como é sabido há quatro classes), passou o resto da vida   obras  da  Missão  de Construção  de  Canais  (e  pequenas
           a ser cliente de hospitais e farmácias com os consequen-  barragens), no Estado da Índia, o governador geral, Co-
           tes  desgastes  de  uma  débil  economia  familiar,  de  mais   mandante  Quintanilha  Dias,  tinha  pedido  com  muita
           quatro pessoas…)                                   urgência mais um técnico de engenharia com prática de
              Para além do que fica para outra ocasião, sentia-me   trabalhos hidráulicos e lembrara-se de mim, seu antigo
           como  numa  encruzilhada,  e  talvez,  como  meio  século   aluno, quase há dois anos trabalhando numa grande em-
           antes escrevera o então “poeta modernista Mário Sá Car-  presa especializada em Hidráulica, que nesse tempo, era
           neiro”: “Não sou eu nem sou o outro, sou qualquer coisa   ainda campo de poucos técnicos. Pelo que se eu quisesse,
           de intermédio, pilar da ponte de tédio, que vai de mim   depois de diversas vacinas a que teria de me submeter no
           para o outro…”                                     Inst. Med. Tropical, seguiria para a Índia num avião da
              Penso  que  então  a  sorte  bafejou-me  pois  passados   TWA, então com sucessivas paragens, menores ou maio-
           poucos dias eu e o meu colega de curso e comprovincia-  res, em Madrid, Roma, Cairo, Dahran (na Arábia Saudita),
           no, Francisco Carvalho (o Castelo de Vide, como o refe-  Bassorá (no Iraque) e Bombaim, onde esperaria um bar-
           ríamos), começávamos a trabalhar numa grande empresa   co que me levasse a Goa.
           de Estudos e Projectos de Engenharia Civil, a então de-  O que, numa altura como era aquela, em que pou-
           nominada “SUFIL, Sociedade de Urbanização, Fomento e   ca  gente  viajava  de  avião,  para  um  “solteiro  e  bom
           Indústria, Limitada; então sediada em Lisboa, na Av. Ant.   rapaz” (como costuma dizer-se), era uma oportunidade
           Aug. Aguiar 27 – 1º, da qual era Engenheiro Director e   única!
           possuidor de metade da respectiva cota o ex-pupilo, en-  Pedi-lhe que dissesse ao pai que agradecia muito que
           genheiro licenciado no IST, Henrique de Oliveira Pinto   se tivesse lembrado de mim, mas que tinha deveres mo-
           da França, muito anterior a nós e então reputado um dos   rais para com o Eng. Pinto da França que me estendera
           engenheiros  civis  especializados  em  Hidráulica,  mais   a mão na pior ocasião da minha vida, pelo que, não obs-
           considerados em Portugal e nas então colónias portugue-  tante  pelas  minhas  leituras  sempre  ter  sonhado  com  o
           sas. (o outro sócio da SUFIL era o Engenheiro Adminis-  Oriente, e especialmente, a então nossa edénica e multi-
           trador Frederico Burnay de Mendonça.)              colorida, ardente e misteriosa Índia, não iria.
              Já lá trabalhava há um ano o ex-pupilo Serôdio Rosa,   Deu-me uma sugestão que logo aceitei: “Fala com ele
           finalista do ano anterior ao nosso e o mais novo dos três   e logo vês o que ele pensa sobre o assunto”, e telefonas-
           irmãos tomarenses. Todos formados nos Pupilos e, poste-  -me ainda amanhã, pois há muita urgência! No dia se-
           riormente, o mais velho licenciado em engenharia no IST,   guinte, logo que o Eng. Pinto da França chegou fui ao seu
           e o do meio na Escola Naval. O mais novo, o João, de   gabinete,  relatei  tudo  o  que  se  passara.  Calado,  aten-
           excepcional  competência  e  idoneidade  moral,  fez  mais   tamente, ouviu o que lhe dizia e quando acabei, sorri-
           tarde, fortuna em Angola que depois lá ficou…      dente  respondeu-me:  “Não  lhe  dou  nenhum  conselho,
              Passados quase dois anos na SUFIL, apareceu-me lá     pois ninguém pode adivinhar o que o futuro lhe reserva.
           o também finalista do meu ano: Paulo Eugénio Albuquer-  Digo-lhe apenas o que eu faria no seu caso: Telefonava


                                                                                          Boletim da associação dos PuPilos do exército  9
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