Page 47 - Boletim APE_220
P. 47
1911 – querer é Poder – 2011
PuPilos do exército – 100 aNos de eNsiNo e cidadaNia
DAViD PAScoAL roSADo
1985.0253
A carbonária Portuguesa e o outro lado da História
“A República implantou-se no Terreiro de Paço, naquela tarde trágica de Fevereiro; implantaram-na
Buíça e Costa, pese bem embora aos senhores pausados, vazios e bons burgueses que disso e doutros
desatinos sobem a sacudir as mãos na varanda de Pilatos.”
Aquilino Ribeiro 1
A Carbonária Portuguesa existiu em Portugal, de forma
intermitente, desde meados do século XIX. Sob a direcção
e o patrocínio de Luz de Almeida, a Carbonária detinha
um objectivo específico: a implantação da República.
Enquanto organização secreta, a Carbonária, mais do que
estar empenhada em realizar cultos esotéricos, estava so-
bretudo interessada em cumprir os seus objectivos revo-
lucionários, utilizando para esse seu intento todos os meios
necessários, incluindo o terrorismo nas suas mais diversas
formas, como o uso de explosivos e a prossecução de Ilustração n.º 2 – Aspecto do local do regicídio, no Terreiro do Paço,
em fotografia de 1908. Observam-se dois quiosques e várias árvores
atentados. adstritos à placa central. Ao fundo, o posto fiscal junto ao cais fluvial
Ainda que se pudessem constatar algumas variantes na de Sul e Sueste.
sua estrutura organizativa, os membros da Carbonária
distribuíam-se, grosso modo, por cinco estratos de impor-
tância crescente, nomeadamente: os Canteiros, as Choças, tribuíam-se também por escalões de mérito, nomeadamen-
3
as Barracas, as Vendas e, finalmente, a Alta Venda ou Su- te: rachadores, carvoeiros, mestres e mestres sublimes.
2
prema Alta Venda. Cada um destes escalões detinha o Um dos aspectos mais interessantes sobre esta socie-
seu respectivo líder, que fazendo parte do órgão carboná- dade secreta, residia na simbologia que utilizava. Nesse
rio imediatamente superior, perfazia a ligação com a res- domínio, a Carbonária usava uma esfera armilar cruzada
tante hierarquia desta sociedade, sempre encoberta e com a expressão “Jovem Portugal”, que era depois pontifi-
clandestina. Com algum mau gosto, os carbonários desig- cada por uma estrela de cinco pontas que tinha, no seu
navam-se entre si como Bons Primos e, sem surpresa, dis- centro, as letras “CP”. E na heráldica da sua bandeira, re-
side, ainda hoje, o maior assombro. A bandeira da Carbo-
nária ostentava as cores encarnada e verde (em lados
opostos à actual Bandeira Nacional), assumindo, ao centro,
uma esfera armilar dourada em fundo azul e uma estrela
prateada com resplendor de ouro, numa disposição que
não nos deixa indiferentes. Interessante era também o seu
4
distintivo, que constituído por três pontos, representava
um triângulo invertido, sinistro e ameaçador. Além destes
símbolos, havia ainda “outras imagens e sinaléticas de iden-
tificação e reconhecimento iniludíveis”, muito próprias e
características de qualquer sociedade secreta. 5
E seria precisamente a Carbonária quem iria resolver,
em definitivo, a questão da conquista do poder em Portu-
gal. Primeiro em 1908, e depois, em 1910. Ao contrário
de uma revolução de elites, a Carbonária pretendia a uma
Ilustração n.º 1 – António Maria da Silva, Luz de Almeida e An- revolução pelo choque nas ruas, realizada essencialmente
tónio Machado Santos, membros da Alta Venda Carbonária. pela arraia-miúda. Formatada psicologicamente por Luz
Atente-se na disposição dos três carbonários e das suas mãos em de Almeida (homem pragmático e sem pudor), à Carbo-
triângulo invertido, aludindo ao conhecido símbolo da sociedade
secreta. nária interessava gente “que não tivesse pejo de pegar em
Boletim da associação dos PuPilos do exército 45