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cróNicas
câNDiDo De AzeVeDo
1960.0364
Portugueses pelo oriente
… pelas águas do “corno” de África!
A fragata portuguesa Corte Real, que andou em serviço fácil, e, tal como agora, agravado pelo carácter, costumes,
no estreito de Golfo e costa da Somália, regressou já há leis e religião diferentes.
algum tempo. Por aquelas águas navegou alguns meses. Uns, De entre muitos, dois dos maiores almirantes portu-
dizem apanhando piratas, alimentando-os e depois soltando- gueses nestas águas foram Afonso de Albuquerque, “o
-os; outros, afirmam que andou a tripulação portuguesa primeiro dos Almirantes” e Rui Freire de Andrade o gran-
apenas a arriscar-se a levar uns tiros, e outros ainda, mais de “Almirante do Mar de Ormuz e Costa da Pérsia e
críticos, contrapõem que apenas andaram cumprindo uma Arábia”, de 1619 a 1633. Todos estes fizeram sentir aos
missão sem leis apropriadas para a prisão dos temíveis pira- muçulmanos, por vezes com demasiada brutalidade, a sua
tas, que num parasitismo e chantagem sem paralelo tem coragem e valor como combatentes (que sorte a dos pira-
prejudicado vários países em milhões e milhões de dólares, tas de hoje!) e, segundo refere a História, acabaram os
aprisionando navios e tripulações. muçulmanos por reconhecer nestes almirantes e capitães
Esta missão, como outras que as Forças Armadas Por- de armada, uma superioridade no mando, uma excelência
tuguesas têm desempenhado em outros países como a no método e uma inteligência perspicaz.
Bósnia, Afeganistão, Iraque, Líbano, etc., (todas elas têm Perdido Ormuz, mas estacionados em Mascate (Omã)
sido cumpridas de um modo que não deslustra Portugal) desempenhou esta um papel de relevo para a presença
são compromissos externos que os sucessivos governos têm portuguesa no Golfo e arredores como o “corno” de Áfri-
subscrito, sabendo-se que nos últimos 20 anos já foram ca. Nas suas águas se deu uma das mais duras batalhas da
empenhados em acções fora do território nacional mais de marinha portuguesa no Índico, a batalha do Golfo de Omã,
25000 homens em mais de 20 países diferentes. vencida a 25 de Agosto de 1554. Naquelas águas comba-
Vem a propósito esta missão da fragata Corte Real, teram os portugueses não só os muçulmanos, mas também
porque os portugueses voltam a participar em missão de os ingleses e holandeses. Será só em Janeiro de 1650 que
guerra num espaço geográfico onde já o tinham feito an- os Omanitas conquistarão Mascate, encerrando o chamado
teriormente, há quinhentos anos atrás, - então com naus “Período Português” no Golfo.
como a Nª Sra. do Rosário, a Flor da Rosa, a Nazaré, etc. Testemunhos desse período são as obras de arquitec-
–, por iniciativa e proveito próprio e, como hoje, como tura militar, como os fortes de S. João e do Capitão (Al
verdadeiros combatentes. Fizemos tal guerra nas costas da Marani e Al Jalali), etc., as Torres do Luís e do Cabrita ou
Pérsia, da Arábia e no “corno” de África por algo então a Igreja de S. Agostinho, onde está sepultado Rui Andrade,
muito caro àquele que viria a acrescentar ao seu já gran- túmulo nunca reclamado por Portugal… Para além do
diloquente título, o complemento de “Senhor da conquis- cemitério cristão e muitas palavras portuguesas (bandera,
ta, navegação e comércio da Etiópia, Índia, Arábia e Pérsia”, greja, mesa, roda, etc.) na língua local, o que dizer das
o nosso Rei D. Manuel I. Fizemos tal guerra, nos séculos corridas de touros regularmente organizadas no interior
XVI e XVII, não por causa do petróleo e dos “piratas”, do sultanato nos meses de Inverno, e por ser terra muçul-
mas para eliminação do grande obstáculo às intenções mana, do fabrico de uma aguardente à base de figo?
monopolistas portuguesas para o comércio da Índia, con- A propósito: porque hoje, como ontem, a complexida-
trolando a estrada marítima do Golfo Pérsico e as armadas de das relações internacionais, a gestão de conflitos e a
árabes que enxameavam por essas costas. Para o efeito, maneira de fazer a guerra, não parou no tempo, será de
declarámos guerra aos reinos muçulmanos da região e não perguntar se os sucessivos Governos têm dado meios ade-
nos fizemos de rogados perante a deslumbrante riqueza quados às Forças Armadas para o cumprimento da sua
local (cavalos, tapetes, pérolas, âmbar, etc). missão. É preciso que tenhamos consciência que estas
A esse teatro de operações, pela primeira vez iam Forças não se improvisam, que é necessário garantir valên-
combatentes de tão longe, apenas por mar e de uma pe- cias, capacidades e conhecimento, pois como alguém já
quena nação, com forças desproporcionadas à magnitude disse “o produto acabado da força militar se chama defesa,
das suas intenções. Mas mesmo assim aí se impuseram por segurança, dissuasão, afirmação de soberania, garante da
mais de cento e cinquenta anos, subjugando reinos e sul- unidade do estado, um elemento fundamental da politica
tanatos como o de Baçorá (hoje Basrá, parte do Sul do externa do estado e seguro de vida da Nação”, e que em
Iraque controlada ainda há pouco por tropas inglesas), mais nenhum grupo profissional os seus profissionais “juram
Ormuz, Omã e muitas outras cidades num confronto nada cumprir sujeitando-se a dar a vida pelo País”, se necessário.
Boletim da associação dos PuPilos do exército 15