Page 19 - Boletim APE_220
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Curioso era vê-lo tomar o seu banho diário. Num pe-
          queno recipiente de barro, começava por saltitar molhan-
          do o peito para, a dado momento, mergulhar todo o corpo
          no líquido, onde permanecia largos minutos. Quando dava
          o banho por terminado, não conseguia voar tal o estado
          em que pusera as asas. Então, com muito cuidado, iam-se-
          -lhe  enxugando  as  penas,  aos  poucos,  até  começar  com
          pequenos voos.
            Na altura, um amigo nosso cedia-nos amiúde um pe-
          queno apartamento no Algarve e, quando nos deslocávamos,
          levávamo-lo  sempre  connosco,  no  carro,  absolutamente
          livre. Apenas havia o cuidado de manter os vidros fechados
          o que, no verão, era por vezes, difícil de suportar. A sua
          posição predilecta era encavalitado no meu ombro o que
          originava  que  muitos  outros  carros  fossem  longo  tempo
          atrás de nós a apreciar a insólita cena.
            Um dia, saímos para tratar de vários assuntos e, como
          era hábito, ficou com a casa toda por sua conta. O gato,
          esse, embora merecesse a nossa confiança, mas para nosso
          completo  descanso,  ficou  encerrado  numa  outra  depen-
          dência,  não  fosse,  num  mau  momento,  esquecer-se  da
          amizade recente.
            De repente, o tempo que já ameaçava borrasca, acen-
          tuou a sua violência com rajadas quase ciclónicas, o que
          nos obrigou a regressar um pouco mais cedo do que pre-
          tendíamos  e,  logo  que  abrimos  a  porta,  não  o  sentimos
          acorrer  ao  chamamento  habitual.  Alarmados,  corremos
          todas  as  dependências  em  sua  busca  até  que  reparámos
          que, por acção do vento forte, se tinha aberto uma peque-
          na clarabóia por cima da janela da cozinha. Dado o seu
          receio em voar para o exterior, deduzimos que a sua curio-
          sidade o tenha levado até ao rebordo da clarabóia e que
          os ventos ciclónicos o tenham arrastado para longe.
            Longo  tempo  percorri,  debaixo  de  chuva,  todos  os
          arredores emitindo o assobio característico. Tudo em vão.
            Nos dias seguintes, ainda me chegava com cuidado a
          todos os pardais que via poisados em qualquer lugar, mas
          eles logo fugiam à minha aproximação.
            Daquele “filho” adoptivo que connosco conviveu du-
          rante quase dois anos, ficou uma grande saudade.
            Esta é uma história real, bem simples.
            Afinal, uma pequena história de amor.


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