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Escritas  UMA REFlEXãO SOBRE A EUROPA  vidade de grupo, ao mesmo tempo que   a ciência moderna havia de tomar. Pier-  fia Natural de Newton. A confiança de
                                                                                                         escritas



 N esta época em que  a Europa   los do combate entre Ocidente e Orien-  de direitos de propriedade remonta aos   habilitava os indivíduos a orientarem o   re  Duhem  (1861-1916),  por  exemplo,   Kepler e de Galileu na estrutura mate-
                                                                                mática  da  natureza  foi,  por  esta
                                            acreditava que a ciência da mecânica -
       seu próprio trabalho. Com efeito, a pró-
 Podemos  considerar  que  o  conceito
 te, entre a cidade livre (a polis,  que deu
       pria noção de produtividade é um sub-
                                            refundada por Galileu e que ele ligou à
                                                                                obra,  plenamente justificada.
 passa  por  diversas  vicissi-
       produto do relógio.
 tempos bíblicos e foi transmitido e trans-
 tudes,  não  podemos  esque-
                                                                                   Através  do  método  da  abstracção,
                                            cosmologia - recebeu aperfeiçoamentos
 origem à palavra «política») e os impé-
 rios  aristocráticos;  entre  democracia
 cer o seu papel na História.
 formado por ensinamentos cristãos.
                                                                                além  do  mais,  o  conceito  científico  de
          Quando, em 1601, Mateus Ricci e um
                                            de tal importância no século XIV que a
 Na Europa Ocidental, em plena Ida-
   Comecemos  por  refe-
 rir  a  sua  acção  pioneira  na  primeira   (com soberania para os homens livres)       de Média, as cidades começaram a ter   seu companheiro fizeram ofertas ao im-  Galileu apenas restava redescobrir, ge-  «leis da natureza» instalava-se simples
                                                                                e ordenadamente.
 e despotismo oriental (servidão para as
       perador chinês, entre as quais se conta-
                                            neralizar  e  reformular  o  que  os  «pre-
 globalização,  favorecendo a relação en-  grandes maiorias).   prerrogativas que eram desconhecidas   vam  dois  relógios  mecânicos,  puderam   cursores»  medievais  e  renascentistas
 tre os povos dos vários continentes, in-  Mais tarde, os Gregos e os Romanos   em qualquer outra parte do mundo. Ha-  verificar  a  profunda  impressão  causa-  tinham  conhecido  antes  dele.  Duhem   Observações:
 cluindo  a  desco-  também caíram no despotismo, e o mes-  via direitos reconhecidos aos mercado-  da, por estes mecanismos de medir o tem-  chamou  a  atenção  para  afirmações  na   (1)  David S. Landes,  A riqueza e a pobre-
 berta ou achamen-  mo se passaria no tempo das várias inva-  res, incluindo políticos. Algumas cida-  po, ao imperador Wan-li e à sua Corte.   Idade Média muito análogas ao poste-  za das nações. Por que são algumas tão ricas
 to de novas terras e   sões bárbaras que ocorreram na Europa.   des tornaram-se portas de entrada para   O relógio mecânico permaneceu um   rior conceito de inércia,  e para a triun-  e  outras  tão  pobres,    2.ª  edição,  Gradiva,
 gentes,  bem  como   No mundo medieval que sucedeu à   a  liberdade,  como  dizia  um  aforismo   monopólio  europeu  durante  cerca  de   fante análise matemática do movimen-  2001. Obs. David Landes tem neste livro um
 o contributo para o   queda  do  império  romano,  os  direitos   medieval em língua alemã: “ O ar da ci-  trezentos anos.    to acelerado.  bom trabalho,   que não está, porém, isento de
 desenvolvimento   de propriedade tiveram de ser redesco-  dade torna uma pessoa livre”. E, quan-  Estes são alguns aspectos de âmbito   Da mesma forma, Crombie chamou   críticas,  pois,  pelo  que  detectei  na  pag.  87,
 da ciência e da téc-  bertos. O costume germânico era o de   do o conde da Flandres tentou reclamar   social e político, mas importa analisar,   a atenção para a importância do empi-  apresenta uma interpretação errada  do que
 nica,  merece justo   uma  comunidade  nómada,  com  cada   a devolução de um servo foragido que   mesmo sucintamente, o que distinguiu   rismo nas discussões medievais da ló-  escreveu o cronista Gomes  Eanes de Zurara
 relevo.  guerreiro  senhor  das  suas  modestas   se  evadira,  atravessando  à  pressa  o   o europeu nestes últimos 500 anos no   gica,  e para o bem sucedido uso da ex-  na Crónica dos Feitos da Guiné,  a propósito
 Podemos  inter-  posses. Mas a tensão entre concepções   mercado  de  Bruges,  o  burgomestre  li-  aspecto intelectual.  perimentação na óptica medieval, com   do início da expansão portuguesa .
 rogar-nos como foi   era real.   mitou-se a expulsar da cidade o conde e   Vou agora referir a obra A Revolu-  especial incidência no estudo das cores   O que se depreende do que diz Zurara é
 José G. B. Pereira  possível  à  Europa   Contava-se  uma  história  aos    estu-  o seu séquito. O processo social em cur-  ção na Ciência, 1500-1750,  de  A. Ru-  do arco-íris, nos princípios do séc. XIV,   que,  dado  o  alto  risco  do  empreendimento,
 (19510211)  atingir o desenvol-  dantes franceses da instrução primária:   so nas cidades teve  consequências que   pert Hall  (2).   Ao interrogar -se sobre a   por Theoderic de Fryburgo.  teve  o  Infante  D.  Henrique  e  a  Ordem  de
 vimento que se co-  a história do vaso de Soissons.  É a se-  foram sentidas de um extremo ao outro   causa mais óbvia da revolução científi-    Contudo,  Galileu  sabia  bem  como   Cristo, de que era administrador, que arcar
 nhece no último meio milénio, influen-  guinte:  Clóvis,  rei  dos  Francos,  queria   da sociedade.   ca, diz que ela representa a floração se-  as  experiências  e  as  observações  po-  com os riscos de tal empresa, porque os objec-
 ciar  outros  países  e  servir  (principal-  devolvê-lo como forma de agradar a uma   A emancipação do servo na Europa   lectiva de certas tradições medievais.  diam ser enganadoras, a não ser quan-  tivos  em  causa  ultrapassavam  em  muito  o
 mente os E.U.A., seu beneficiado mais   mulher  cristã    de  quem  se  enamorara,   ocidental estava directamente ligada à   Ninguém  duvida  que  a  revolução   do  interpretadas  numa  matriz  teórica   mero interesse comercial. Leiam-se as 5 ra-
 notório) de miragem que os outros pro-  mas o soldado que se apossara do vaso   proliferação de vilas francas e comunas   científica constituiu um afastamento da   adequada.  zões apontadas por Zurara  (que acrescenta
 curam, ou procuraram, atingir.  (ou tinha sido premiado com ele na divi-  urbanas, assim como à densidade e pro-  corrente  principal  cultivada  nas  uni-  Ao longo do século XVII, foram no-  uma sexta) para tal empreendimento.
 Analisemos  os  argumentos  de  al-  são da pilhagem) recusou-se a entregá-  ximidade  dessas  portas  de  entrada.   versidades,  mas  existiam  outras  ten-  táveis os progressos de várias ciências,
 guns autores.  lo. Era seu por direito e quebrou-o diante   Onde as vilas, além de poucas, não eram   dências  na  corrente  principal  que  fa-  que   culminaram   na   publicação   (2)   A. Rupert Hall,  A Revolução na Ciên-
 O excepcionalismo europeu é tratado    de Clóvis para vincar a sua posição. Com   livres, como na Europa oriental, a ser-  ziam avançar as ideias na direcção que   dos Princípios Matemáticos da Filoso-  cia, 1500-1750, Lisboa,  Edições 70, 1988.
 por David S. Landes no seu livro A rique-  efeito, disse ao soberano: «O que é seu é   vidão persistiu e piorou.
 za e a pobreza dos nações. Por que são   seu e o que é meu é meu».   Mas a sociedade e as suas mais diver-
 algumas tão ricas e outras tão pobres  .  Na primeira ocasião em que as tro-  sas actividades eram influenciadas por
 (1)
 Diz  este  autor  que,  no  século  X,  a   pas  estavam  perfiladas  em  formatura,   algumas  descobertas  importantes,  das
 Europa começava a sair de uma longa   Clóvis  parou  diante  do  soldado  que   quais se destaca o relógio mecânico.
 tormenta de invasão, saque e pilhagem,   quebrara o vaso e perguntou-lhe o que   Parece ter aparecido em Itália ou em
 protagonizada nos séculos precedentes   havia  de  anormal  com  as  suas  sandá-  Inglaterra no último quartel do século
 por  sarracenos,  vikings,  normandos  e   lias; e, quando o homem baixou a cabe-  XIII.  Uma  vez  conhecido,  espalhou-se
 magiares.  Sugeriu-se  que  o  fim  desse   ça  para  ver,  Clóvis  despedaçou-lhe  o   rapidamente, caindo em desuso os reló-
 perigo, vindo de fora, teria permitido à   crânio com um pau. «De facto, o que é   gios de água mas não os solares, e foi
 Europa lançar-se no caminho do cresci-  teu é teu, mas tu és meu.”   logo  adoptado  nas  vilas  e  cidades  da
 mento e do desenvolvimento. É o ponto   É certo que a tradição de eleição deu   Europa que, entretanto, adoptaram ho-
 de vista dos economistas clássicos. Mas   lugar  à  autoridade  hereditária,  sendo   ras iguais como padrão. Então, os reló-
 convém ver mais fundo.   reconhecido  que  os    Germanos  foram   gios  públicos  instalados  nas  torres  e
 Para  se  fazer  uma  ideia  do  carácter   muito  influenciados  pelo  exemplo  ou,   campanários de municipalidades e pra-
 mais  amplo  desse  processo,  temos  de   melhor, pelo princípio romano.  ças de mercado tornaram-se o símbolo
 olhar a Idade Média como a ponte entre   Mas  os  antigos  costumes  e  rituais   de uma nova autoridade municipal.
 um mundo antigo estabelecido no Medi-  teimaram em sobreviver: o governante,   O relógio mecânico tinha de satisfa-
 terrâneo – Grécia e, depois, Roma – e uma   mesmo  quando  designado  por  nasci-  zer os padrões inexoráveis da astrono-
 Europa  moderna  ao  norte  dos  Alpes  e   mento,  era  nominalmente  eleito  (acla-  mia na busca da exactidão e da preci-
 dos  Pirenéus.  Nesses  anos  intermédios   mado em Cortes). Assim, era mais hu-  são, sendo construídos por mestres de
 uma nova sociedade nasceu, muito dife-  mano do que divino, e o mesmo podia   miniaturização,  detectores  e  correcto-
 rente da que existira antes, e enveredou   dizer-se do seu poder.            res de erros, exploradores do novo e do
 por um caminho que a distinguiu decisi-  Alguns tentaram restaurar o antigo   melhor.  Foram  os  pioneiros  da  enge-
 vamente de outras civilizações.            império, mas tais esforços fracassaram   nharia  mecânica  e  exemplos  para  ou-
 Sem  dúvida  que  a  Europa  desde   perante as precárias comunicações, os   tros ramos.
 cedo se considerou diferente das socie-  desafios à legitimidade e o poder con-  Finalmente, o relógio proporcionou
 dades a leste. As grandes batalhas entre   trário de governantes locais. Nesse con-  ordem e controlo nos planos colectivo e
 Gregos e Persas – Salamina, Termópi-  texto, a propriedade privada era o que   pessoal. A sua posse particular forne-
 las – foram transmitidas como símbo-  se podia conservar e defender.   ceu os sinais de pontuação para a acti-



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