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CULTURA E CONHECIMENTO
esTado NoVo: gÉNese, ProPósITo e
MeMórIas
david Pascoal rosado | 19850253
“Os partidos – não o esqueçamos – eram em geral grandes agências de colocações onde se entrava, como
se entra nas bichas, para esperar vez, para aguardar a fatal distribuição das benesses na hora do Poder. (...)
Os partidos fizeram-se para servir clientelas. A União Nacional, como o seu nome indica, para unir a Nação.”
Salazar in Salazar. O Homem e a sua Obra, de António Ferro
“Que tristeza! Eu julgava o Parlamento uma assembleia de homens e fui deparar com uma súcia de garotos
dizendo piadas de sol uns aos outros, num barulho indecente próprio de praça de touros ou de taberna.”
Humberto Delgado in Da Pulhice do Homo Sapiens
sabido que entre 1933 e 1974, Portugal apenas conheceu dois um significado muito importante, até porque, como diria Rolão Preto,
É chefes de Governo: Salazar e Marcelo Caetano. a diferença essencial que havia entre Salazar e os outros ditadores, era
O Estado Novo, depois de outras demandas havidas em tempo a de que “os outros conquistaram eles o poder, [e] Salazar aceitou que
próprio, seria instituído pelo Diário do Governo n.º 83, datado de 11 de outros lhe conquistassem o lugar, mas não deu para isso o seu esforço”.
Abril de 1933, onde se publicaram os resultados do plebiscito nacional No Decálogo do Estado Novo, ler-se-ia que “Não há Estado Forte
sobre a Constituição Política da República Portuguesa: 1.330.258 onde o Poder Executivo o não é” e que “Temos a obrigação de sacrifi-
eleitores inscritos em todo o continente, ilhas adjacentes e colónias; car tudo por todos; [mas] não devemos sacrificar-nos todos por alguns”.
1.292.864 votos a favor do projecto da Constituição; 6.190 votos con- Na verdade, os dados já estavam lançados há algum tempo. Quando
tra; 30.538 eleitores inscritos não intervieram no acto. E evidentemen- em 21 de Outubro de 1929, Salazar – então Ministro das Finanças –
te, as abstenções, em número de quase meio milhão, foram contadas proferiu na Sala do Conselho de Estado, o discurso “Política de Verda-
como votos a favor. de, Política de Sacrifício, Política Nacional”, destacou logo a ideia da
Salazar diria que “O jornal é o alimento espiritual do povo e deve subordinação das actividades ao interesse colectivo: “Nada contra a
ser fiscalizado como todos os alimentos”. Na verdade, tudo o que seria Nação, tudo pela Nação”. Ao bom jeito de Mussolini, bem entendido,
dito e tudo o que viria a ser implementado daí para a frente, teria sem- que na sua máxima defendia “Tutto nello Stato, nienti al di fuori dello
pre uma razão, um fundamento. É preciso perceber a época, é preciso Stato, nulla contro lo Stato” (“Tudo no Estado, nada fora do Estado,
perceber o tempo, para que se perceba, enfim, a razão de tanta coisa nada contra o Estado”).
ter acontecido como aconteceu. Os fins justificavam os meios, como muito antes tinha proposto
Não esqueçamos que, quando na varanda dos Paços do Concelho, Nicolau Maquiavel no seu O Príncipe.
os dirigentes do Partido Republicano Português – José Relvas, acom-
panhado por Eusébio Leão e Inocêncio Camacho – proclamaram em 05 bIblIograFIa:
de Outubro de 1910 o novo regime político, a República, lendo também TEIXEIRA, Marcelo (2012). História(s) do Estado Novo, Lisboa, Parsifal
ao povo a lista dos membros do Governo Provisório, a multidão nem
sequer imaginava que entre o ano seguinte e o ano de 1926, haveria 44
governos, 7 parlamentos eleitos e 8 Presidentes da República. A expec-
tativa utópica de que a mudança de regime político bastava para que
tudo mudasse e que tudo ficasse melhor, era apenas uma perigosa e
inocente ilusão do povo. Como sabemos, a Primeira República seria
sobretudo sinónimo de desilusão, de incompetência e de desordem
colectiva. Excepção feita apenas ao primeiro governo, porque de todos
os Governos da Primeira República, foi precisamente o Governo Provi-
sório aquele que deixou obra mais relevante, exactamente porque não
tinha que enfrentar uma oposição parlamentar.
Quando Salazar ocupou finalmente o Poder, mostrou competência,
trabalho e serviço à Nação. Fez mesmo questão de colocar isso por
escrito. Entre outras referências, temos aquela que consta do prefácio
ao livro de António Ferro sobre ele próprio, Salazar: “Peço desculpa de
ter escrito este Prefácio. Não é que me envergonhe de o haver feito; é A “Lição de Salazar”, fazendo alusão a “Deus, Pátria, Família: A Trilogia da
que me roubou tempo de que eu precisava para outras coisas”. Isto tem Educação Nacional”
BOLETIM DA ASSOCIAÇÃO DOS PUPILOS DO EXÉRCITO 55