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CULTURA E CONHECIMENTO


           VolTaNdo a Falar de óPera



           rui Cabral Telo | 19480265







              esta vez não vou falar de uma ópera, mas sim da ópera em si.   “Il Trionfo d’Amore” que vi recentemente no pequeno auditório do Cen-
           DTenho vontade de brincar dizendo; “ A ópera, a música preferida   tro Cultural de Belém numa encenação simples, moderna, mas muito
           dos operários…” parafraseando o saudoso António Silva, no Pátio das   bem conseguida. Podem copiar o URL e ver a programação na internet.
           Cantigas. O público ria-se achando graça pois, à época, já a ópera era   http://www.ccb.pt/sites/ccb/pt-PT/Programacao/Musica/Pages/
           um espectáculo das elites. Mas o certo é que ele tinha alguma razão,
           uma vez que a ópera foi um espectáculo do povo. Na Itália, há quatro   IlTrionfodAmoreMUSICOSDOTEJOJAN2013.aspx
           séculos, juntaram música, teatro e dança num único espectáculo a que   Esta obra, uma serenata de corte oferecida ao nosso D. João V, é
           chamaram ópera (obra). Os cantores eram ao mesmo tempo actores que   praticamente teatro lírico, entre a cantata e a ópera. Na encenação que
           recitavam  usando  o  mais  versátil  dos  instrumentos  musicais,  a  voz   vi, conseguiram um espectáculo leve e interessante numa versão mo-
           humana. A música, por seu lado, é uma das artes mais sublimes que   dernista mas bem apresentada. A música barroca, muito bem interpre-
           transmite emoção mesmo quando não se percebem as palavras. Com   tada  pelos  músicos  do  Tejo,  excelentemente  dirigidos  por  Marcos
           uma boa música e uma bela voz, conseguem-se tornar interessantes as   Magalhães, integra-se muito bem na encenação.
           histórias com enredos vulgares.                        Antigamente, eram estes espectáculos que reuniam toda a espécie
              Normalmente pegava-se numa história já conhecida, construía-se   de público em pequenas e grandes salas.
           um libreto e o compositor criava uma música muito instrumental para   Infelizmente, muitas das boas óperas raramente são hoje encenadas.
           acompanhar vozes que se integravam como se de instrumentos materiais   Grandes êxitos do passado têm sido esquecidos enquanto obras pate-
           também se tratassem. Desse conjunto nasceram obras incríveis, umas   adas nas estreias se tornaram grandes êxitos. Há óperas que se conse-
           vezes  tristes,  outras  mesmo  dramáticas  e,  até  as  verdadeiramente    guem encenar em pequenos palcos com cenários simples, como por
           cómicas, as chamadas óperas bufas, muito apreciadas.  exemplo: “La Bohéme”, e outras que permitem grandes encenações e
              Uma grande ópera pode tratar de violência, ganância, intriga, traição,   cenários sumptuosos como uma “Aída” ou um “Nabucco”. A utilização
           morte, ciúme, enfim, uma plêiade de sentimentos comuns nas relações   de coros e grandes corpos de baile vieram trazer mais-valias à ópera.
           humanas, ingredientes suficientes para empolgar qualquer púbico. Só   Com o passar dos anos e a proliferação de outros espectáculos, a
           Mozart,  Verdi  e  Wagner  produziram  um  repertório  de  cerca  de  150   ópera  tornou-se  uma  obra  lúdica  não  barata  e,  por  isso,  mais  vista
           óperas,  para  não  falarmos  em  Puccini,  Rossini,  Bizet,  Leoncavallo,   pelas elites.
           Massenet,  Donizetti,  Berlioz,  Stravinsky,  Debussy  e  muitos  outros    Para amenizar o texto, conto aqui uma pequena história; o meu pai
           incluindo o nosso Francisco António de Almeida (1702-1755?), com-  e um dos irmãos, quando estudantes na faculdade em Lisboa, tinham
           positor  setecentista  que  compôs  óperas  da  escola  italiana,  como    apenas uma capa e batina que usavam os dois em alternância. Naque-
           “La Spinalba”, que já tive o prazer de ver, há muito, no São Carlos e    la época, os estudantes tinham descontos nas galerias do São Carlos
                                                              (geral), mas, nas estreias, o traje tinha de ser de gala e, como tal, só
                                                              de capa e batina podiam entrar. Dado o uso, a batina tinha os punhos
                                                              já esfiapados ficando com o forro branco à mostra. Contava-me o meu
                                                              Pai, que os pintavam com tinta-da-china escondendo assim as dificul-
                                                              dades, mas não deixando de apreciar os belos espectáculos que ali eram
                                                              levados à cena.
                                                                 Ainda hoje se compõem óperas, mas são as ditas clássicas, aque-
                                                              las que chamam mais público. Desde Monteverdi, considerado o pai da
                                                              ópera com “L’Orfeo” apresentado em Mântua em 1607, até aos dias de
                                                              hoje,  com  óperas  modernas  como  “Blimunda”  de  Azio  Gorghi  com
                                                              libreto  baseado  no  Memorial  do  Convento  de  Saramago,  muita  arte
                                                              musical e cénica foi produzida para gáudio dos apreciadores.
                                                                 Espero que os actuais compositores não descurem esta forma de
                                                              arte.
                                                                 Vamos à ópera.

                                                              http://www.youtube.com/watch?v=UP4w_JnqwMs
                                                                 No endereço acima poderão ver e ouvir uma encenação
                                                              da  ópera  “Aída”  de  Giuseppe  Verdi,  no  templo  da  raínha
           Aída (Fotos de “Il Trionfo d’ Amore” de Jorge Amaral)  Hatshepsut, Egipto, em 1994.

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