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EVOCAÇÕEs (cont.)
Aeroclube pela “simpática” alcunha de “caixão voador”. O
destino foi a Inhaca, verdadeira ilha paradisíaca, a cerca de
20 minutos de Lourenço Marques. Que fascinante, aquela
vista sobre a imensidão da baía de águas transparentes e
calmas (pelo menos quando observadas lá de cima).
Entretanto, o Gibi, com a comissão terminada e subs-
tituído nas funções, teria de regressar. Lá ficava, mais uma
vez, longe da família e lá se iria diluir o sonho de frequen-
tar o curso de páraquedismo que o Aeroclube estava a
organizar nesse momento, pela primeira vez, na sua his-
Participantes do 1.º Curso de Paraquedismo do Aeroclube de
Moçambique (Lourenço Marques, 1969) tória.
de cumpridas as formalidades da apresentação, segui para
a Chefia do Serviço de Material. Não obstante o trabalho
exigente que me esperava, as incertezas e apreensões
iniciais dissiparam-se instantaneamente ao ver o velho
(leia-se antigo!) Amigo que iria substituir: o Manuel de
Jesus Vaz Palma, cujas caraterísticas humanas de camara-
dagem e de sociabilidade já conhecia há muito tempo,
mas que, nesta circunstância, vi reforçadas. A família do
Gibi morava em Lourenço Marques, cidade que por isso
ele bem conhecia desde os tempos do Pilão, e, assim, tive
também um verdadeiro cicerone que me deu a conhecer Aeroclube de Nampula, início de 1971 (da esquerda para a di-
os sítios e as pessoas, o que muito me ajudou a enraizar- reita): 19570414, José Manuel Pedroso da Silva (aluno-piloto);
me, a passar o tempo e a quebrar as rotinas. 19550335, Manuel de Jesus Vaz Palma (piloto recém-chegado);
19540248, Celestino Jorge da Cruz Galego (diretor da Escola
Lembro-me de, no dia da minha chegada, à tarde, o de Pilotagem)
Vaz Palma me ter levado na sua lambreta, para lancharmos
no Tico-Tico. As avenidas largas e de traçado moderno da Sem grandes esperanças, meteu um requerimento a
cidade convidavam a carregar no acelerador, o que não me pedir a prorrogação da comissão por mais dois meses,
deu grande tranquilidade nessa interminável viagem, finda tempo necessário para terminar o curso. A esperada deci-
a qual exclamou, com energia: são... de “indeferido”, chegou do Quartel General... ao fim
– “Checa” é pior que “turra”! de três meses, o que determinou o regresso imediato “à
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Tinha razão! Hoje, não sei quem iria mais assustado: metrópole”, já com a licença de paraquedista no bolso e
um “tripulante” que, nas curvas, via o seu passageiro es- depois de termos dado uma boas gargalhadas à custa
quecer-se completamente da força centrífuga e inclinar o deste pitoresco episódio, que prova que nem sempre a
corpo para o lado errado, o que nos podia ter mandado burocracia e a “empatocracia” andam de mãos dadas.
para o asfalto, ou um “pendura” com os neurónios com-
pletamente bloqueados, pois nunca tinha andado de naMpuLa
motociclo e, muito menos, pela esquerda?
Daí por uns tempos, numa tarde de sábado, perguntou- Meses depois, fui transferido para Nampula.
-me: Talvez aquela inesquecível “voadela” sobre a baía de
– Como é que um tipo que viveu tantos anos na base Lourenço Marques me tivesse motivado a inscrição no
da Ota, nunca andou de avião? curso de pilotagem que iria decorrer no aeroclube e que
– Só nos da Feira Popular! – Respondi. iniciei nos primeiros dias de 1971.
– Então, anda daí. Vai ser hoje o teu batismo de voo. Por esta altura, chegou a Nampula, para iniciar a se-
Pegou no seu inseparável companheiro, um volkswagen gunda comissão, o Vaz Palma, que, evidentemente, ficou
carocha azul-claro de matrícula MLA-50-06, e lá fomos na minha “república”, num prédio da rua de Angola, mes-
até ao aeroporto, onde entrámos no Piper Tripacer PA22 mo em frente da mangueira mais frondosa da cidade.
(CR-AFM) do Aeroclube de Moçambique. As suas formas, Depois de subirmos com as embambas até ao segundo
vagamente paralelepipédicas, estavam em evidente contras- andar, indiquei-lhe o quarto. Olhou contemplativa e fixa-
te com as linhas mais aerodinâmicas de outros modelos de mente para uma parede. Olhei na mesma direção e vi, em
aeronaves e, por isso, era conhecido entre os “pilotaços” do descontraído passeio, uma barata de enormes dimensões,
mesmo para os padrões africanos. Continuou a olhá-la,
1 C heca: designação dada em Moçambique aos militares em início de comissão. com reverência.
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