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EVOcAÇÕEs






                              Remexendo as cinzas



                                                   do passado…


                                                                                                     TEODORO RITA
                                                                                                       19410043




              ois ainda, e creio que aqui muito a propósito, os Pupi-  Povo, foi forçado a pagar a totalidade do “Aqueduto das
           Plos do Exército durante quase o meio século da dura   Águas  Livres”,  em  Lisboa!  E  que  até  consumia  muito
           ditadura  salazarista-corporativista,  tiveram  de  suportar  as   menos nos seus casebres do que se consumia nos Paços e
           tão evidentes perdas e danos, avelhacadas espoliações e ir-  Palácios! Assim se pondo “às avessas” o ditado: “Os que
           racionais equiparações e inferiorizações, aprovadas ou de-  podem aos que precisam”, para: “Os que precisam aos que
           terminadas por poderosas pessoas que, embora de humildes   podem”….
           ascendências e que até contraditória ou até deslealmente,   E parece-me que, também, muito a propósito, seja de
           sonhavam ou até colaboravam, para o regresso aos tempos   aqui recordar que o grande proveito que tivemos no Ins-
           em que, como num verso do erudito e grande poeta que   tituto, nos tempos da dita ditadura de tanto termos bene-
           foi Guerra Junqueiro, ele diz, textualmente: “o Trono é o   ficiado  de  um  excepcional  conjunto  de  professores  tão
           lacaio do Altar, que domina os reis…” Como incontestavel-  sabedores e cultos, não terá acontecido por mero acaso,
           mente, é provado pelos 295 anos (1526 a 1821), que durou   ou por alguém interessado ou devotado em criar ou au-
           a multicriminosa “Santíssima Inquisição Portuguesa”. Du-  mentar castas privilegiadas. Como, por exemplo, sempre
           rante  os  quais,  os  então  treze  reinantes:  Joões  3,  4,  5,  6;   foi  aspiração  ou  intenção  das  monarquias.  Ou  dos  seus
           Sebastião;  Henrique,  também,  cardeal  e  inquisidor-mór!;   senhores e louvadores, benzedores ou defensores.
           Filipes 1,2,3; Afonso 6, Pedro 2, José e Maria! (na minha   A razão que penso, até poderá ser comprovada, era a
           opinião, excrementos de reis e de humanos), que repugnan-  seguinte:
           te,  hedionda  e  irracionalmente,  se  infamaram  apoiando,   Naqueles tempos e compreensivelmente para a men-
           bajulando e até adulando os carrascos churrasqueadores de   talidade da época, em que as fardas ainda tanto encanta-
           mil e quinhentas pessoas vivas, (para além dos que apodre-  vam  as  raparigas  casadoiras,  a  Escola  de  Guerra,  depois
           ceram nos cárceres da Inquisição); e na condenação a penas   Escola do Exército (hoje Academia Militar), pelos eviden-
           diversas de mais de vinte e cinco mil pessoas!!!   tes motivos, exercia uma forte atracção nos rapazes saídos
              Compararem-se as irracionalidades e crueldades, per-  dos  liceus  que  a  ela  recorriam  em  número  muitíssimo
           versidades e cumplicidades, destes treze reinantes, com a   superior às vagas!
           sabedoria estóica e inteligência, moderação e amor pela   O que permitia uma exigente e excelente escolha que
           filosofia e pelas letras, do mais virtuoso dos imperadores   –  exceptuando  os  compadrios  e  nepotismos:  familiares,
           romanos,  Marco Aurélio  que  viveu  antes  deles,  mais  de   sociais, venais e políticos (em que Portugal sempre tem
           milénio e meio e que tão sabiamente dizia:         sido tão pródigo), permitia uma boa escolha dos melhores
              “Não é só malvado quem faz o que não deve, também   e mais inteligentes. Que depois e, certamente por serem
           é malvado quem não faz o que deve!...”             mais lúcidos, perspicazes e cultos, menos se conformavam
              Será que esses treze reinantes geralmente pouco ins-  com o que viam, ouviam e sabiam. Assim desalinhando
           truídos,  e  que  se  proclamavam  muito  obedientes “e  te-  dos corifeus do regime e, consequentemente, tornando-se
           mentes a Deus”, e super-superiores a todos os súbditos,   candidatos aos ostracismos ou aos “lugares na prateleira”…
           tinham o mínimo raciocínio para poderem compreender   Ou ainda a coisas piores!... E eles então, mais amadureci-
           que o principal dever de todos os seres humanos do nos-  dos  e  sabidos,  para  não  terem  de  parar  ou  retrogradar
           so tão gracioso e desditoso Planeta Terra, sejam sábios ou   (principalmente os da Arma de Engenharia), procuravam
           ignorantes, mártires ou tiranos, milionários ou mendigos,   ir para o ensino no Instituto dos Pupilos do Exercito, (que
           reis ou parasitas, é, em tudo, por tudo e para tudo, cada   então era acusado de ser um antro de republicanos) e onde
           um fazer o que deve… E será que algum deles fez o que   até tinham mais tempo disponível para se dedicarem aos
           então deveria ter feito?                           seus trabalhos particulares.
              E que até para isso eram régia e asiaticamente pagos   E assim, nós os alunos, sem que em nada tivéssemos
           através dos pesados impostos que somente o povo pagava,   contribuído, indirectamente tivemos o único benefício que
           pois o clero e a nobreza estavam isentos.          nos veio do salazarismo-corporativismo! (Pois como diz a
              Como,  por  exemplo,  no  reinado  do  dissipador,  faná-   já milenar “Sabedoria Popular”: Muitas vezes, “Deus Uno
           tico e devasso João V, em que o descamisado e despojado   e Eterno”, escreve direito por linhas tortas…)


                                                                             Boletim da Associação dos Pupilos do Exército  |  29
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